Pobre George , de Paula Fox
Revista Veja - 29/04/2009

Solidão a dois

Por que pessoas que se odeiam permanecem
juntas? Essa é a questão que a americana Paula
Fox investiga no belo romance
Pobre George

CRISTOVÃO TEZZA

Por que pessoas que se odeiam permanecem juntas? Essa questão perene ganha um contorno literário preciso em Pobre George (tradução de Maria Alice Máximo; Record; 272 páginas; 30 reais), romance da americana Paula Fox, ambientado na Nova York dos anos 60. George e Emma Mecklin, ele professor, ela dona de casa, são um casal sem filhos que vive tediosamente num bairro afastado. As visitas eventuais, e tensas, da irmã divorciada de George com seu filho mimado e uma ou outra festa regada a álcool de seus vizinhos bisbilhoteiros concentram o máximo de emoção da vida de George. A relação com a mulher é pontuada de agressões contidas, sob a sombra de um afeto apenas pressentido, que nunca está em lugar algum. "Quero uma coisa que tenha significado para mim", ele diz num momento, sintetizando o seu vazio.

O momento de virada é a invasão de sua casa por um jovem delinquente, Ernest, uma presença ambígua que circula pelo bairro. Como um bom samaritano, George resolve ajudá-lo a se reintegrar à sociedade, oferecendo-lhe livros e aulas particulares. Ernest reage com desprezo, ainda que mantendo um fio de interesse, ao qual George se apega, tentando encontrar um papel social para si mesmo, um lugar inseguro entre o pai compreensivo e o mestre severo. A presença do intruso desestabiliza ainda mais a relação de George com a mulher, que não suporta o rapaz. A tensão do casal chega ao limite quando Ernest furta o rádio da casa – e poucos dias depois surge com o rosto inchado, vítima de um espancamento. George lhe oferece o quarto de hóspedes, para que se recupere. A sugestão de vizinhos e da própria Emma de que haja algo erótico naquele interesse de George apressa o desfecho de uma tragédia anunciada que, também ela, acaba por se revelar patética e sem sentido.

O pano de fundo do romance, publicado em 1967, são os Estados Unidos mergulhados na Guerra do Vietnã, vivendo uma transformação que incluía a implosão moral da era de ouro da classe média americana e o agressivo avanço da luta pela igualdade racial e direitos sociais. A figura tateante de George sintetiza o cidadão comum esmagado por forças que não consegue compreender. O livro se compõe de capítulos longos nos quais se sente a influência do grande teatro americano. Diálogos secos, que mais sugerem do que dizem, costurados por um narrador atento mas sempre duro, criam uma espécie de consciência puritana do mundo, que, num tempo despojado de metafísica, parece incapaz de achar um espaço em que a convivência seja possível.

Paula Fox sabe do que fala ao tocar na solidão humana: entregue para adoção ao nascer, acabou ela mesma, adolescente grávida, repassando sua filha para adoção (que se tornará, pelas voltas e mistérios da vida, a mãe da célebre roqueira Courtney Love). Hoje com 86 anos, Paula Fox é reverenciada pela qualidade de sua vasta literatura infantil. Mas os seis livros para adultos que escreveu entre 1967 e 1990 – Pobre George foi o primeiro deles – estão sendo reavaliados pela crítica como um dos momentos altos da prosa americana do século XX.



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