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Ruy Castro exibe "erudição do cotidiano" em crônicas
Folha de S. Paulo, Mais!, 28/junho/2008
Em textos para a Folha, autor lança olhar agudo para as polêmicas do dia-a-dia
CRISTOVÃO TEZZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Fácil na aparência, volátil por natureza, de vocação camaleônica e de alta circulação, a crônica é um gênero que parece sempre escapar de definições teóricas. Seu habitat é o jornal, onde são consumidas diariamente em quantidade muito maior do que qualquer outro gênero literário, embora carreguem, como estigma, um certo déficit de prestígio, como se naturalmente lidas para o esquecimento.
São uma espécie de janela dos fatos; pela crônica, respiramos um pouco da massa opaca de acontecimentos e também não nos entregamos à lógica pura do comentário objetivo. É uma boa conversa, com um pé no jornalismo e outro na literatura -e entre eles, o humor de quem vê o mundo à solta.
"Ungáua!", uma coletânea de 101 crônicas dos textos que Ruy Castro escreve na página 2 da Folha, duas vezes por semana, poderia servir de material didático como demonstração do melhor do gênero. Como dissemos, a crônica é fácil só na aparência -quase que um "soneto da prosa", é preciso dar unidade, começo, meio e fim em poucas linhas, e passar ao leitor a sensação de uma percepção completa de um instante, um tema, um foco, um olhar.
Colocar em livro o que nasceu no jornal não é para qualquer cronista. E o próprio autor, na introdução, brinca com a seriedade de seu trabalho: "Não se iluda: é simulação." Uma auto-ironia que, é claro, faz parte do jogo.
O ponto de partida de Ruy Castro é sempre o mundo dos fatos; nele, o olhar do jornalista pesa sempre mais que o da ficção. O grande biógrafo de Nelson Rodrigues ("O Anjo Pornográfico"), Garrincha ("Estrela Solitária") e Carmen Miranda ("Carmen"), para ficar apenas nesses três momentos deste autor que conhece como poucos a cultura urbana brasileira do século 20, não perde sua característica de observador implacável da realidade ao reduzir o texto à angustiante brevidade das "1777 batidas" -a extensão máxima de sua coluna.
O fato real dá a partida, mas da segunda frase em diante entramos de corpo e alma no humor e na leveza de quem vai criando em pinceladas um pessoalíssimo olhar sobre caos do Brasil e do mundo. A crônica que dá título ao livro é exemplar de seu estilo: "Ungáua!", o grito de Johnny Weissmuller, o Tarzan do cinema dos anos 30, que serve para conseguir qualquer coisa, revela-se também a palavra mágica de Lula para resolver problemas.
Todos os assuntos -incluindo-se a falta de assunto, proverbialmente o filé-mignon do gênero- submetem-se nas mãos de Ruy Castro às leis do paradoxo, num rápido jogo de oposições que o talento do cronista põe a nu para o leitor pensar. O presidente americano que só pensava em mulher (um "militante da galinhagem"), a vaia que Julinho, ponta-direita que substituiu Garrincha em 1959, levou no Maracanã ("Há de ser um craque para dobrar um estádio"), a época exata do início da decadência do Rio ("Bom era antes"), a reabilitação do "Y" pela nova ortografia ("Alvíssaras!") -em todos os momentos Ruy Castro domina o que podemos chamar de "erudição do cotidiano", essa essência do cronista maduro, cujo olhar dá um sentido imediato ao caos da informação.
Ao mesmo tempo, sua leveza reserva sempre um ponta aguda para as polêmicas do dia-a-dia, sobre as quais Ruy Castro não faz nenhuma média, o que o coloca na melhor escola rodriguiana, no estilo e na essência, ao detonar os projetos de liberação da maconha, a propaganda de cerveja, os pais ausentes, a leniência penal. Marca inescapável, é também, aqui e ali passionalmente, um cronista carioca, o que lhe dá o toque clássico da cidade que de fato criou o gênero entre nós.
UNGÁUA!
Autor: Ruy Castro
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 34 (224 págs.)
Avaliação: ótimo
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