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Falsificações legítimas
Revista Veja, 06/08/2008
Um romance sobre o mundo da arte
em que nada é o que parece
CRISTOVÃO TEZZA
Um dos fascínios do mundo das artes plásticas vem do fato de que um único quadro de um artista que ontem passava fome pode valer, hoje, milhões de dólares. Nessa estratosfera, a própria idéia de "arte autêntica" se dilui: como dinheiro vivo, telas também se falsificam. Um tema ótimo para a literatura, e Roubo: uma História de Amor (tradução de José Rubens Siqueira; Record; 320 páginas; 39 reais), do australiano Peter Carey, de 65 anos, duas vezes vencedor do Prêmio Booker, é um bom exemplo. No romance, o pintor Michael Boone, talento reconhecido na Austrália de 1980, afunda-se num divórcio em que perde tudo – a guarda do filho e todas as suas telas, indo ainda parar na cadeia por tentar recuperá-las. Resta-lhe o irmão Hugh, um deficiente mental de 100 quilos e 2 metros de altura de que ele tem de cuidar como uma sombra inseparável.
O livro começa com Boone morando de favor na casa de campo de um colecionador que o explora. Ali desembarca por acaso Marlene Leibovitz, casada com o filho do célebre Jacques Leibovitz, pintor cubista fictício que a narração põe ao lado de figuras reais da pintura moderna como Léger, Braque e Picasso. O marido odeia pintura, e é ela – uma secretária carreirista que por um golpe de sorte se vê alçada ao mundo milionário da grande arte – quem "autentica" os valiosíssimos Leibovitz pelo mundo afora. Um deles, aliás, desaparece da casa de um vizinho de Boone, ocorrência policial que dá partida nas aventuras do pintor ao lado de Marlene.
A agressividade às vezes ressentida e o afeto sempre atormentado com que Carey vai pintando seu personagem central dão o tom do romance. O sonho de não se deixar corromper que está na mitologia pessoal de todo bom artista (ainda que em tudo o mais ele seja um bandido) é o eixo secreto da narrativa – Boone tem uma obsessão desesperada pela perfeição de seu próprio trabalho. Já se disse que a Austrália é um Brasil que deu certo. Encontra-se no livro um lastro emocional que parece mesmo coincidir em muitos aspectos com o nosso mundo: o duro sentimento de periferia diante das metrópoles, uma afetividade bruta e informal, o exotismo do fim do mundo, o mito otimista da inocência. Boone é um pouco tudo isso; e a voz narrativa do romance mantém viva uma "apaixonada compaixão por todo mundo que é estranho, abandonado ou vive fora do padrão".
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