FOLHA DE S. PAULO - ILUSTRADA
Quinta-feira, 2 de junho de 2005



Premiado, Cristóvão Tezza divide-se entre ensaio e ficção

Romance "O Fotógrafo", do autor catarinense, é eleito pela ABL; escritor receberá R$ 36 mil em cerimônia

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um fotógrafo que divaga num quarto escuro e antecipa a frustração enquanto aguarda ansiosamente a revelação das poses de uma bela garota: "Quando revelei a última fotografia que, de fato, era a imagem sonhada?". Durante quase dois anos, Cristóvão Tezza foi esse homem da escuridão, a empenhar-se na construção daquela realidade particular e a esperar o resultado do que viria a ser seu mais recente romance.

Se o resultado se assemelhou à expectativa inicial? Não, se transformou inúmeras vezes, mas talvez isso não seja importante: o fato é que "O Fotógrafo" (Rocco) foi escolhido pela Academia Brasileira de Letras, na última segunda-feira, o melhor livro brasileiro de ficção de 2004, e receberá um prêmio no valor de R$ 36 mil em cerimônia no dia 20 de julho, no Salão Nobre da própria ABL. Na mesma cerimônia, autores de outros gêneros, como Ferreira Gullar e Mario Chamie, anunciados ao longo do mês de maio, também receberão seus prêmios (veja quadro ao lado).

Nascido em Santa Catarina em 1952, mas vivendo em Curitiba há mais de 30 anos, Tezza é professor universitário e, antes da publicação deste último livro, dedicara-se por seis anos exclusivamente à teoria literária, estudando Bakhtin e o formalismo russo. Segundo ele, entretanto, não há influências de um trabalho no outro. "Entre ensaio e ficção, sou esquizofrênico. O ensaio trabalha sempre com a pressuposição da verdade, não com a ambigüidade e a experiência multifacetada que o romance requer", disse o autor, em entrevista à Folha.

Antes de dedicar-se à teoria, de qualquer forma, já escrevera outros 11 romances, sendo "Breve Espaço entre Cor e Sombra", de 1998, o mais bem sucedido. O livro recebeu o Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional e foi um dos três finalistas do Prêmio Jabuti daquele ano.

O enredo de "O Fotógrafo" é focado na figura que dá título ao livro e que, no entanto, grande desfeita, nem sequer recebe um nome. Outros quatro personagens, inclusive a modelo inicial, todos nomeados e de vidas leve ou densamente entrelaçadas, viverão encontros e separações no decorrer de um único dia. É a véspera das eleições de 2002, e Curitiba, "cidade intimista que joga a gente muito pra dentro", nas palavras de Tezza, torna-se palco da história, geral e particular.

"A solidão é a forma discreta do ressentimento." É assim que o narrador abre o livro, e o autor admite que essa aflição percorrerá o enredo todo, mantendo os personagens em uma compartilhada crise momentânea. "Não se trata propriamente de uma universalização, e sim de um espírito do tempo. A solidão é o grande tema da literatura moderna, pela idéia de que não se tem mais cosmogonias para correr atrás e cantar", explica Tezza.

A política, dessa forma, é apenas pano de fundo para a história intimista. As eleições funcionam como vértice para os laços e acontecimentos do romance, como assunto recorrente entre todos os personagens, mas nunca como elemento central da trama. "Exatamente como na vida real", afirma o autor.

Neste livro, diferente dos seus anteriores, Tezza buscou um registro que não se entregasse totalmente aos personagens. Optou, então, pela narração em terceira pessoa e adotou recorrentemente o discurso indireto. É o próprio autor quem justifica a escolha: "Embora o narrador entre na cabeça dos personagens, ele mantém uma certa distância. A literatura precisa de distância, senão ela é confissão".

voltar