Folha de S.Paulo - 5/4/2014

Cristovão Tezza reflete sobre velhice em romance

Em 'O professor', escritor também trata de transformações vividas pelo país

Aos 62, autor de 'O Filho Eterno' afirma ter tido 'percepção súbita do tempo quando estava chegando aos 60 anos'

Sylvia Colombo

A velhice e o passar do tempo no Brasil recente compõem o eixo de "O Professor", novo romance do escritor catarinense Cristovão Tezza, 62.

A obra gira em torno de Heliseu, um professor de filologia românica de 70 anos que está prestes a receber uma homenagem por sua carreira.

Em entrevista à Folha, por e-mail, o autor do exitoso "O Filho Eterno", lançado em 2007, comentou o romance e o atual estado da literatura brasileira num contexto internacional.

Leia, abaixo, os principais trechos.

Folha - Por que o tema do envelhecimento?
Cristovão Tezza - Partiu da minha própria vida, a percepção súbita do tempo, quando eu estava chegando aos 60. O assunto deixou de ser uma observação neutra vista de fora, ou algo que se lê em livros. Como sou distraído, essa percepção caiu quase que como um choque.
É um dos elementos do romance. Há também a passagem do tempo do Brasil, o pano de fundo do livro, as transformações que o professor viveu e que vai reconstruindo fragmentariamente.
É como se o país em torno também estivesse encerrando uma vida, e abrindo outra, ainda obscura.

Você tem ido a muitos festivais de literatura. Como tem visto a recepção da nossa produção literária?
A literatura brasileira não existe fora do Brasil, exceto em alguns nichos acadêmicos. Não temos nenhuma imagem literária forte que, de algum modo, nos revele.
Os estrangeiros amam a ideia de um país chamado "Brasil" --basta dizer o nome e as pessoas sorriem.
Mas nesta imagem recorrente --praias, Carnaval, mulheres, caipirinha-- nem remotamente há uma lembrança literária. Autores brasileiros são publicados lá fora erraticamente, e não por consequência de alguma prospecção sistemática da nossa literatura.
Há, entretanto, alguns sinais de mudança, a partir de um visível renascimento da produção literária contemporânea, de uma nova geração de escritores, formada num tempo pós-internet, sob o impacto de um Brasil muito diferente daquele que formou a minha geração.
O programa de auxílio a traduções da Biblioteca Nacional, destinado a livros contratados por editoras estrangeiras, tem tido um papel importante nesta mudança.
É um caminho longo, que vai se fortalecer à medida que o autor brasileiro de ficção interesse, antes de tudo, ao próprio leitor brasileiro, um leitor que perdemos e que, pouco a pouco, começamos a recuperar.

"O Filho Eterno" ganhou muitos prêmios. Como vê o papel deles para a literatura brasileira contemporânea?
O sentido principal dos prêmios é movimentar a circulação literária, criar fóruns de debate, estabelecer referências culturais, abrir espaço para a produção.
São um instantâneo do momento, de acordo com o olhar falível, mas em geral sincero, de comissões julgadoras, que sofrem tanto quanto os autores.
No Brasil, têm sido um instrumental bem-vindo da valorização literária, mas de modo algum podem se transformar na razão de ser de quem escreve.
Seria absurdo alguém abraçar a literatura para ganhar prêmios.
Prêmios são ótimos, mas acidentais.
Já ganhei e já perdi muito prêmio na vida e nunca deixei de escrever uma linha por causa disso.


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