A hora da razão

Ex-professor, o romancista Cristovão Tezza volta ao cenário da universidade em seu novo livro

O Estado de Minas
Belo Horizonte, 28/03/2014

Carlos Herculano Lopes

O escritor Cristóvão Tezza lança O professor, que marca seu retorno ao romance depois de conquistar os principais prêmios literários do Brasil com O filho eterno

Autor de vários livros, mas consagrado nacionalmente a partir de 2007, quando lançou O filho eterno, com o qual ganhou o Jabuti e Portugal Telecom, entre outros prêmios, Cristovão Tezza, depois de quatro anos, chega com novo romance, O professor. 

Mas vai logo avisando que não existe, pelo fato de durante mais de 20 anos ter sido professor universitário na área de linguística, nenhuma semelhança com sua vida pessoal, diferentemente de O filho eterno, cuja trama gira em torno do seu primeiro filho, portador de síndrome de Down. “O professor é simplesmente um romance contemporâneo – é assim que o vejo e nada mais. Fiz questão de não ambientar o livro em Curitiba, nem em nenhuma cidade em especial. A ‘cidade’ do livro é a universidade, num ambiente que é igual no mundo inteiro”, diz.

Pitadas autobiográficas ou não é o que menos importa em se tratando do novo e esperado romance de Tezza. Num ritmo frenético, que leva a querer saber o que irá acontecer na página seguinte, o romancista, com maestria, vai apresentando ao leitor o atormentado mundo interior do professor Heliseu. 

Com 70 anos, ele se prepara para receber uma homenagem da universidade à qual dedicou quase toda a sua vida. A cerimônia irá começar em poucas horas, mas Heliseu ainda se encontra em sua casa, onde vive na companhia de uma empregada, depois da morte da sua mulher, da “perda” de um filho, que se mudou para os Estados Unidos e não liga mais para ele, e o fim de um caso com uma ex-aluna. 

Nesses momentos que antecedem a cerimônia, mas que parecem eternos, o velho professor, como se entregue a uma espécie de catarse, vai passando a limpo sua vida, com a lucidez de já não ter muito tempo pela frente. Como pano de fundo, a história contemporânea do Brasil e do mundo: o período da ditadura, com todos os seus desmandos, as Diretas já, os planos econômicos do governo Sarney, com os seus “fiscais” saindo às ruas, a renúncia do papa Bento XVI e vários outros acontecimentos.

Mas o que pesa mesmo é a trajetória pessoal de Heliseu: os erros e acertos, os conflitos. Como qualquer um de nós, também o professor não foge a esse ajuste de contas individual, que, mais dia menos dia, acaba batendo em todas as portas. 

 Acompanhá-lo nessa viagem interior, na qual, sem outra saída, ele acabou embarcando antes de ser homenageado, é uma experiência única, que com certeza irá mexer com os sentimentos de todos os leitores. 

Três perguntas para…
Cristovão Tezza, escritor


Como foi o processo de escrever O professor?
Diria que foi um processo demorado. Quatro anos atrás escrevi a primeira página do livro pensando em um romance que se chamaria A homenagem. Deixei aquilo descansar, mas não parei de pensar na história. O ponto central, entretanto, era a linguagem – como fazer a retrospectiva de uma vida mantendo a tensão da memória, cruzando presente a passado quase que na mesma frase, o tempo todo. 

E onde essa ideia o levou?

Veja que só estou falando no aspecto técnico. O conteúdo era meio nublado para mim – tinha uma vaga história na cabeça, que fui montando como um quebra-cabeças. Há um ano e meio meti a cara no livro e escrevê-lo me deu um imenso prazer. O romance avançou à base de uma página e meia por dia, de segunda a sexta, todas as manhãs. 

Depois do lançamento de O filho eterno, em 2007, você resolveu deixar de dar aulas na universidade para se dedicar à literatura. Está dando certo?
Sim. Foi uma decisão madura e acertada me demitir da universidade. Nada contra ela, que sustentou o escritor por décadas, mas não estava mais conseguindo conciliar literatura com sala de aula. Sim, está dando para viver com tranquilidade. É incrível, mas hoje há muitas oportunidades de sobrevivência para quem quer viver dos livros ou em torno deles, por conta própria. Uma coisa que era impensável para a geração de escritores que se formou nos anos de 1970/80.

>> Trecho de O professor, de Cristóvão Tezza

“Heliseu reaproximou a cabeça do espelho e conferiu os pelos do rosto: não posso receber medalha desse jeito. Passou os dedos no queixo espetante: eu poderia engordar um pouco, tirar essa secura da pele. Magro de ruim – e ele sorriu, lembrando a frase que ouviu a vida inteira, principalmente do pai. Engraçado: eu não me lembro da voz da minha mãe, o timbre, esta marca cortante das pessoas – lembro apenas da mão nos meus cabelos cada vez que vinha me fazer dormir, ou voltar a dormir depois de eu acordar em queda livre do mesmo desfiladeiro, e ele reviu-a agora tão nitidamente, o rosto que se aproxima. O cabelo! – e ele parou, aturdido pela descoberta. – Sim, o formato dos cabelos da minha mãe, armados sobre a cabeça e caindo em duas curvas suaves, uma de cada lado, como uma ilustração publicitária dos ano 50, era exatamente o formato dos cabelos de Mônica diante de mim na mesa de aplicações bancárias, quando eu fazia cair as consoantes intervocálicas sonoras do século XII, lunar, luar, angelu, anjo da minha vida, como eu sussurrei a ela por meses, e Heliseu sorriu, entregando-se à doçura fugaz de um bom sentimento – Preciso voltar àquela quinta-feira para descobrir o segredo da divisão das águas, para saber, exatamente, senhores, quando começou a segunda parte da minha vida – E ele fechou a porta do banheiro, de modo que dona Diva não escutasse seu plano de ação, e riu. Sempre gostou de fazer a barba: era como passar a si mesmo a limpo, todos os dias.”


O professor
De Cristovão Tezza
>> Editora Record 
>> 240 páginas, R$ 35


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