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O ESTADO DO PARANÁ
Curitiba 6 de dezembro de 1998
CRISTOVÃO TEZZA, EM PAZ COM A VIDA
Kátia Michelle
Aos 46 anos, imortalizado na literatura paranaense com o romance
"Trapo" (Brasiliense, 1982), o escritor Cristovão
Tezza passa por uma fase de descanso da anarquia inerente a sua
obra e vida pessoal. Licenciado das aulas que ministrava na UFPR,
prepara o doutorado para 1999, na USP. Após o lançamento
do livro "Breve espaço entre cor e sombra" (Rocco,
1998), reescreve uma de suas mais tórridas obras, "Ensaio
da paixão", com lançamento previsto para o
início do próximo ano. Em entrevista a O Estado,
Cristovão fala de sua obra e da sua relação
com a Literatura.
Você vem de uma fase da literatura que acabou marcando
a década de 70/80, principalmente com 'Trapo". O que
desse fase ainda resta?
Cristovão Tezza - Realmente, Trapo é
uma marca daquele tempo. Eu diria que o que resta é a saudade
da utopia. Os anos 80 e 90 foram uma matança, um império
do pragmatismo e eu sou de uma geração que viveu,
muitas vezes burramente, sonhos profundos de transformação
do mundo, de identificar a fase artística com a literatura,
o que é uma coisa muita forte na minha formação.
Escrever era assumir uma atitude diante da vida, não era
simplesmente um trabalho como outro qualquer. O ato de escrever
mexia na perspectiva de qualquer trabalho, era uma posição
diante do mundo.
Quando você lançou "Trapo" a crítica
fez uma imediata comparação com Bukowski, autor
que, até então, você nem tinha lido. E agora,
conhecendo a obra do autor, você o relaciona com o seu trabalho?
Tezza - Eu acho que, do ponto-de-vista estrutural, eu sou
um escritor muito mais complexo e muito mais rico que Bukowski.
Ele é um escritor estruturalmente primário. Eu sou
um escritor delicado e ele é extremamente grosseiro e a
força dele está justamente nisso. Ele é um
anarquista em estado bruto e a minha literatura tem outras nuances.
Outra coisa é que ele estava no centro do mundo. Uma coisa
é ser escritor em Nova York, outra é ser em Curitiba.
A literatura brasileira tem que enfrentar a realidade de ser uma
obra periférica. É um trabalho artístico
da periferia do mundo.
Curitiba funciona como uma personagem nos teus livros. Qual
a sua relação com a cidade?
Tezza - A relação aconteceu naturalmente,
a partir do romance "Trapo". Depois disso ela sempre
esteve presente na minha obra. É uma cidade que eu acho
muito literária. Se presta à literatura porque te
joga para dentro. Você vai ficando em casa o dia todo, nunca
sai. É uma cidade que não te complica muito a vida
por ser relativamente pequena. Eu fico imaginando como é
ser escritor em São Paulo e ter que trabalhar ao mesmo
tempo...
Você acha que Curitiba está mais aberta à
literatura hoje? Existe uma diferença de tempo e espaço?
Tezza - Existe. O problema da literatura de Curitiba é
sair daqui. No momento que qualquer autor daqui é publicado
no eixo Rio-São Paulo, ele imediatamente aparece. O Valêncio
Xavier e o Wilson Bueno são alguns exemplos.
Alguma ressalva?
Tezza - Não. Curitiba tem um problema com os escritores.
Na verdade três problemas: não tem uma editora representativa
nacionalmente, não dispõe de uma imprensa com repercussão
nacional e tem uma cultura extremamente tímida, que acaba
sendo uma marca da cidade. Mas é o preço que pagamos
pelo temperamento, se compararmos com a atitude do artista de
outras regiões, por exemplo. O baiano, o mineiro, o pernambucano
ou o gaúcho são artistas mais agressivos diante
do mundo e o curitibano tem um sentido trágico. Uma coisa
pesada, como se ele já desistisse antes de começar,
que é uma visão de mundo. Um certo fatalismo, que
é um traço daqui. Tudo isso somado faz com que realmente
a gente não tenha uma repercussão, então-você
tem que sair daqui.
Esse fatalismo está presente na sua obra?
Tezza - Não sei. Mas seria bom que estivesse.
Explique um pouco sobre a intercalação que você
faz nos seus livros. É quase um antagonismo das situações.
Como Isso funciona?
Tezza - Num determinado momento isso começou a acontecer
na minha literatura. Eu sinto que uma visão de mundo só
pode ser eliminada por outra visão de mundo. É uma
maneira de quebrar uma certa visão monolítica literária.
Eu comecei a fazer essa divisão intuitivamente, às
vezes de forma arriscada, como é o caso do "Breve
espaço entre cor e sombra", que tem um ponto-de-vista
de uma mulher que não é nem brasileira, é
italiana. É um risco que se corre.
"Breve espaço entre cor e sombra" é
uma obra mais "madura". Ela tem uma outra relação
com a sua literatura? Você está em uma outra fase?
Tezza - Bem.., a velhice deve servir para alguma coisa...
(risos), ou ainda, o tempo deve servir para alguma coisa, além
de deixar a gente velho... acho que fica melhor assim...
Eu não diferencio essa obra das outras. A crítica
assinalou que eu dei um salto, mas para mim, essa é uma
conseqüência daquilo que eu vinha fazendo. É
um livro da família dos meus romances. Eu não fiz
nenhum salto espetacular em outra direção. Ele vai
reencontrar alguns elementos que eu acredito. Acho que isso é
uma maturidade natural. Todos os meus outros livros estão
presentes no "Breve Espaço", inclusive o meu
primeiro livro, "A cidade inventada". Os contos da cidade
estão nos quadros do "Breve espaço".
Os seus personagens funcionam como alterego?
Tezza - Certamente tem muita coisa nos meus personagem
que são minhas. Mas não são obras biográficas.
É preciso separar bem. Senão eu seria o sujeito
mais esquizofrênico da cidade. Misturar o Trapo com Ju!iano
Pavollini com o prof. Cardoso.... (risos)
Como você define a sua obra?
Tezza - Eu não tenho uma noção clara
da minha produção. Acho que sou um escritor com
um ouvido muito apurado para a linguagem cotidiana. Minha obra
representa um olhar do avesso. Mesmo quando bem comportada ela
tem um traço anárquico.
E sua produção agora?
Tezza - Esse ano eu reescrevi o "Ensaio da paixão",
um romance de 81. Digamos que eu revi a obra, dei uma mexida em
30% do livro, que foi publicado em 85 e vai ser reeditado pela
Rocco no ano que vem. Foi muito engraçado esse trabalho
porque foi uma maneira de eu me reencontrar com a juventude, com
um autor que não existe mais. Mas eu gostei do resultado.
É um livro que está vivo e que fala a língua
dos anos 70.
Como foi reler uma obra sua? Você relê as suas
coisas?
Tezza - Bom.., minha filha tem uma piada ótima sobre
isso... quando ela tinha uns cinco anos me disse que os meus livros
não deviam ser muito bons porque eu nunca os lia, estava
sempre lendo o dos outros... (risos). Depois do livro publicado
eu realmente leio pouquíssamo...
O que te fez voltar para esse livro?
Tezza - O lado prático. Eu precisava de um financiamento
para viajar para Itália, para fazer pesquisas para o "Breve
espaço", então eu negociei com a Rocco e vendi
a reedição. Era um risco que eu corria mas é
um livro interessante, um livro que tem uma vitalidade que eu
acho que sobreviveu, merece ser republicado.
E hoje?
Tezza - Hoje estou parado. Estou descansando, lendo muita
teoria e não estou obcecado em produzir. Tenho uma vaga
idéia de escrever um romance sobre a fotografia. Ainda
não sei o que exatamente, mas sei que quero abordar esse
tema.
Você ainda enfrenta algum tipo de dificuldade para publicar
os seus livros?
Tezza - Eu não enfrento mais. No entanto, esse tipo
de problema existe e é sério. Você tem um
funil, um estrangulamento das obras literárias. O espaço
que a literatura ocupa no mundo é cada vez menor. A boa
literatura está tendo um espaço restrito, daí
é importante pensar a literatura como uma atividade ética
e estética. Quem pensa em ser escritor deve esquecer o
resto do mundo. É uma escolha pessoal, intransferível
e que, se algum dia for esmagada pelo ressentimento, então
não valeu a pena. Quer dizer, se as pessoas se põem
a escrever e depois reclamam que não são lidas,
deveriam ter feito outra coisa porque escrever é uma atitude
diante da vida. Não é o correr atrás do prêmio.
Pode dar certo ou não.
E quem são os grandes nomes da literatura hoje?
Tezza - É difícil dizer. A literatura leva
tempo para se sedimentar. Visivelmente há uma grande produção
no Brasil hoje, entre prosa e poesia, mas talvez só daqui
a uns vinte anos vamos começar a sentir o que vai ficar
ou o que não vai ficar.
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