FOLHA DE S. PAULO
São Paulo, 18 de abril de 1998


"Breve Espaço" coloca Tezza no mapa

JOSÉ GERALDO COUTO

Com o romance ''Breve Espaço entre Cor e Sombra'' (Rocco), seu 11º livro publicado, talvez Cristovão Tezza deixe de ser visto como ''promissor talento paranaense'' e ingresse finalmente no primeiro time da literatura brasileira.
Aos 45 anos, esse catarinense radicado há mais de três décadas em Curitiba sente que atravessa um bom momento. ''É meu romance mais maduro e arriscado.''
No livro, um jovem pintor curitibano que busca firmar-se como artista vê-se às voltas com uma mulher sedutora, um marchand suspeito e um falso Modigliani.
Tezza, que publicou anteriormente ''Trapo'', "A Suavidade do Vento'' e ''Uma Noite em Curitiba'', entre outros, falou à Folha em São Paulo, onde esteve esta semana para divulgar o novo livro.

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Folha - Seu romance apresenta características comuns a certa tendência literária atual: intriga policial ambientada no mundo das artes e entremeada de digressões eruditas. Como você distingue seu livro dessa tendência?
Cristovão Tezza - Não escrevo policiais. O que me atrai é manter um fio de suspense. Gosto de criar uma narrativa que tenha uma tensão, não por ela mesma, mas porque ela joga luz sobre certos pátios narrativos, certas cenas. Se o leitor está ligeiramente tenso por algo que ele quer saber, determinada cena ganha uma luminosidade que de outra forma, neutramente, talvez não tivesse.
Quanto às digressões, elas não têm pretensão erudita. Servem só para adensar o jogo, para tornar a narração mais divertida.

Folha - Com relação à intriga policial, você despreza as regras do gênero, como que para esvaziar a sua importância.
Tezza - Sim. Em nenhum momento eu quis escrever uma intriga policial, mas sim manter uma tensão narrativa.
Os arrombamentos que acontecem (na casa e no ateliê do protagonista) são funcionais no livro. Eles dizem muito do universo em que o protagonista se movia, dizem muito sobre a personagem da ''vampira'' e criam uma tensão no leitor. Era isso o que eu queria.

Folha - Como o romance se constituiu na sua cabeça?
Tezza - Ao longo dos últimos cinco anos, o livro foi me surgindo por camadas. Primeira: ''Quero escrever um livro sobre artes plásticas''. Sempre tive uma ligação forte com as artes plásticas. Cheguei a falsificar alguns quadros...

Folha - Mas nunca vendeu...?
Tezza - Não, não. Foi para uso próprio. Era a única maneira de ter um Matisse em casa.
A segunda coisa que pensei para o livro foi: ''Vai começar num enterro''. ''Viagens com a Minha Tia'', do Graham Greene, começa com um enterro maravilhoso.
Por fim, veio a idéia da relação mestre-discípulo, que eu acho uma relação bonita na arte. É sempre uma relação tensa, complicada, que em algum momento exige um rompimento.
Paralelamente a isso, eu gosto de trabalhar com uma trama narrativa, com um enredo, para me sentir seguro. Lembrei-me de ter lido, muitos anos atrás, numa biografia do Modigliani, que ele teria supostamente jogado fora umas cabeças de pedra que ele tinha feito.
Minha primeira idéia foi fazer aparecer em Curitiba uma dessas cabeças. Depois, na Itália, fiquei sabendo que essas cabeças do Modigliani nunca existiram, que eram falsas. Aí tive que sofisticar um pouco mais meu argumento.

Folha - As cartas da "amante'' italiana ao protagonista acabam tendo um papel tão importante quanto a narração dele.
Tezza - A italiana, a descoberta desse ponto de vista, deu a intensidade que eu queria ao livro. Foi o maior risco que corri. Primeiro porque significava sustentar o livro no ponto de vista de uma mulher, e depois porque era uma mulher estrangeira. Quer dizer, duas situações estrangeiras para mim.

Folha - Como você vê a literatura brasileira que se faz hoje?
Tezza - Acho que há uma diversidade muito grande de linhas. Por outro lado, a gente vem de uma espécie de vazio muito grande. A última grande referência importante, que consolidou a literatura urbana, foi o Rubem Fonseca.
Outro aspecto interessante é a redescoberta do espaço urbano, não só como geografia, mas como um tipo de mundo que modifica aquelas relações familiares, pré-modernas, mitológicas, que comandavam a ficção regional ou rural. O mundo urbano é mais abstrato, implica outro tipo de solidão, outro tipo de referência.

Folha - Viver em Curitiba pode dificultar a visibilidade e o reconhecimento. Mas deve ter suas vantagens também.
Tezza - Sem dúvida. Como Curitiba tem uma imprensa sem expressão, e você vive numa solidão absoluta, a atividade artística não é para diletantes. O silêncio é tão grande que, se você não for do ramo, pára e vai fazer outra coisa.
Curitiba brutaliza a solidão. Viver lá te dá um certo peso. É um Brasil diferente. Curitiba é uma cidade que não tem Carnaval, que gosta de fila etc.
Acho que quem escreve lá mantém a idéia de que a atividade artística tem uma espécie de missão ética. Não é aquela coisa fria, do mercado e da mídia.
Dalton Trevisan, sob um certo olhar, é um profeta enfurecido. Seu texto tem um lado ascético. Acho legal não perder essa dimensão da literatura. O ato de fazer arte é uma escolha ética, é uma tomada de posição diante do mundo.



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