CORREIO BRAZILIENSE
Brasília, 23 de novembro de 1995


Surpresas e paradoxos de um curitibano

Jason Tércio
Especial para o Correio

Cristóvão Tezza lança seu 10º livro, Uma Noite em Curitiba, pela editora Rocco, tratando do mais antigo dos temas - o amor. Mas o tratamento, como sempre acontece nos textos desse catarinense criado no Paraná, é uma mistura de paradoxos, surpresas, solidão e muita habilidade com a palavra.
Considerado pela crítica um dos principais ficcionistas da nova geração, Tezza mostra no seu novo romance um personagem recorrente em sua obra - o professor, aliás profissão do próprio autor, que já forma com Dalton Trevisan e Paulo Lerninski o trio mais respeitado da literatura.paranaense contemporânea.
Nesta entrevista, concedida no Rio, ele fala de sua criação e como é ser um escritor fora do eixo Rio-SP.

Correio Braziliense - Como você situa Uma noite em Curitiba em relação aos seus livres anteriores?

Cristóvão Tezza - Na temática o que diferencia ó a maturidade. Tanto o tema quanto os personagens são de um homem mais velho. O tempo passou a fazer parte de minha vida. E tem um parentesco com toda a minha literatura. Por exemplo, tem dois pontos de vista, no caso o pai e o filho, tem o gênero epistolar, que é uma coisa que me agrada fazer, tem algumas obsessões que se repetem. É um livro mais maduro tecnicamente e como visão de mundo.

Correio - E também Curitiba como cenário...

Tezza - É, por acaso a cidade foi se tomando cenário fixo de minha literatura. Agora Curitiba virou moda, mas essa Curitiba oficial não tem nada a ver com a minha, que é mais daltomana.

Correio - A cidade já tem uma tradição literária respeitável.

Tezza - Tem. E uma cidade forte, pesada. Mas não tem editora. É uma das esquizofrenias da cidade. O espelho dela é lá fora. O escritor só existe em Curitiba depois que aparece no Rio e em São Paulo. Não é um fenômeno só de Curitiba.

Correio - Fora do eixo Rio-SP só o Rio Grande do Sul conseguiu criar um pólo literário autônomo. Por quê?

Tezza - É uma exceção muito interessante. Lá tem público muito grande 1 que prestigia o autor gaúcho. O Charles Kieffer, por exemplo, já vendeu só no Sul mais de 50 mil exemplares, e ninguém sabe quem ele é fora de lá. É editado pela Mercado Aberto, e vive de direitos autorais. A própria editora Mercado Aberto optou por se confinar lá, vive para o universo local. Além dessa tem a L&PM, a Artes e Ofícios, a Sulina.

Correio - E Curitiba, tem pelo menos uma vida literária?

Tezza - Não propriamente. Tem simpósios, conferências. E há um império do oficial. Tudo que existe lá é patrocinado descaradamente pela Secretaria da Cultura, pela Fundação Cultural de Curitiba. Não há o tipo de autonomia que sinto no Rio Grande do Sul.

Correio - A gente sabe que para se escrever ficção é preciso ter vivência e uma certa indignação com as distorções da vida. Como é isso numa cidade aparentemente resolvida do ponto de vida urbano? Contra o que você se rebela para escrever?

Tezza - Eu não sou escritor de combate, trabalho mais na atmosfera das relações humanas, a classe média brasileira contemporânea, alguns fantasmas do próprio ato de criação também me perseguem, a solidão urbana. E Curitiba se tornou em pano de fundo privilegiado para esse tipo de material humano com que eu lido. Não estou interessado na Curitiba do cartão postal. O tipo de população curitibana é muito interessante - a timidez, a solidão, o conservadorismo muito arraigado, pesado até, uma formalidade muito grande. É um clima que não se confunde com a imagem típica do Brasil.

Correio - O que o escritor poderia fazer para melhorar os hábitos de leitura do público brasileiro, já que o governo faz tão pouco? Palestras?

Tezza - Eu tenho um pouco de dificuldade para fazer palestras. Sou tímido para isso. Mas a própria escola tem a obrigação de divulgar o trabalho literário, não pode se eximir, no primeiro grau e no segundo. Mas o escritor em si é uma roda pequena dessa engrenagem. E uma questão mais social.

Correio - Quando o livro é bem divulgado, vende bem, ou quando o autor já é famoso por outro motivo, como o caso do Jô Soares, que está vendendo bem seu romance de estréia.

Tezza - E tem uma área esotérica que não precisa nem da mídia. E também um filão mais ou menos recente, que é o das biografias, que também vendem bem. Eu avalio que isso acontece porque, além da alta qualidade desses livros, há uma brutal curiosidade nossa de conhecermos o Brasil. Eu leio avidamente esses livros. Acabei de ler um sobre o Barão de Mauá, para saber o que foi o II Império. Agora, tem uma coisa curiosa no Brasil - nós não gostamos do livro de bolso. As editoras apostam no luxo e têm um sucesso estrondoso.



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