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GAZETA DO POVO - CULTURA G
Curitiba, 10 de outubro de 1995
A NOITE DE CRISTOVÃO
Rodrigo Browne
O escritor Cristovão Tezza está de volta com mais
um livro no mercado. Uma Noite em Curitiba, lançado
pela editora Rocco, é o título da sua nova obra
que conta uma história de amor, de relações
afetivas, "um desafio" na sua carreira, conforme o autor
admitiu em entrevista exclusiva ao Caderno G.
Como surgiu o convite para trabalhar o seu novo livro como
escritor-residente na Ledig House Foundation?
Eu já tinha começado a trabalhar o romance, seria
um projeto de um ano aqui com o meu ritmo em Curitiba, com a universidade.
Aí surgiu este convite que é uma fundação
de editores de Nova Iorque, que duas a três vezes por ano
reúne quatro escritores de diferentes partes do mundo numa
casa de campo no norte do estado de Nova York para o pessoal ficar
escrevendo. Não é nenhum projeto acadêmico,
você não precisa mostrar serviço, ninguém
te cobra absolutamente nada. E uma situação profissional,
pega-se escritores já experientes, com livros publicados,
para ficarem dois meses escrevendo. Para mim foi muito bom. Dá
um certo desespero no começo. Quando eu cheguei, em março,
lá estava rodeado de neve por tudo quanto é lado,
convivendo com um alemão, uma americana, um eslovaco e
um lituano que era o gerente de lá.
Cada um escrevia o livro no seu quarto?
Sim, cada um no seu quarto, num silêncio sepulcral o dia
inteiro. Eu curiosamente escrevi este livro a mão, porque
eu não levei o laptop e só tinha um computador no
escritório. Eu preferi trabalhar com privacidade, e escrevi
a mão como fiz com os meus antigos livros.
E como era a convivência com os outros escritores?
Eu acho que deu certo, foi uma liga interessante. A hora do jantar
era a única hora comum. Durante o dia cada um fazia o seu
horário porque não tinha almoço, você
mesmo ia lá se servia, fazia o seu lanche, cada um com
um horário diferente. Eu mantive um ritmo que eu adoro,
que é dormir até meio-dia e trabalhar até
quatro horas da manhã. Eu troquei um pouco a noite pelo
dia.
Existe alguma obrigação contratual, ao ir para
lá?
Não, nenhuma. Você só faz uma cartinha dizendo
o que você quer fazer. Em geral quando eles convidam é
uma pró-forma. Você está interessado em participar
do programa.
O máximo que você pode ficar é dois meses?
É, são dois meses, eu fiquei março e abril,
que foi uma época que você pode perceber a mudança
da natureza. Quando eu cheguei estava tudo branco, em dez dias
a neve derreteu ficou tudo verde em volta. Mas só dá
para ficar dois meses porque eles orgamzam os outros grupos, sempre
com um intervalo.
Falando sobre o livro, como surgiu a história de "Uma
Noite em Curitiba"?
Em primeiro lugar ela partiu de uma idéia básica:
uma história de amor, que é um tema dificílimo
na literatura. Este era um desafio que eu estava a fim. Em segundo,
foi a idéia que me deu das pessoas que se encontram trinta
anos depois. Terceiro, a idéia de pessoas de natureza substancialmente
diferentes, no caso um historiador e uma atriz, se relacionarem.
E aí o livro foi mais ou menos indo para frente, pegando
um certo rumo, peguei uma certa linguagem, depois fiz uma boa
depuração.
Como essa história é contada?
A gente fica sabendo da história por dois pontos de vista.
Um é o filho do historiador, que tem problemas sérios
com o próprio pai. Então o leitor tem que desconfiar
do que ele está dizendo. É um ponto de vista bem
comprometido. E o outro ponto de vista, são as cartas do
professor. Não há outra mediação.
Por exemplo: a Sara, que é a atriz, não fala em
nenhum momento do livro. O leitor fica sabendo dela e muito, pelo
o que os dois dizem. Não existe a voz dela presente. Então
ela é uma imagem, uma coisa assim refratável. E
o romance se articula sobre estas duas vozes: pai e filho. Não
são vozes perfeitamente confiáveis. O historiador
porque estava apaixonado, e o filho porque não gostava
do pai, ou tinha problemas muito sérios. O bom narrador
você tem que desconfiar dele (risos).
Você é muito crítico em relação
a sua obra?
Ah sim. O trabalho de escrever você tem que ter coragem
de cortar, meter a faca, refazer, ele não sai pronto nunca.
A inspiração, talvez o entusiasmo, te dá
uma certa linguagem, aquele estalo na cabeça, para você
pegar a embocadura do livro e a linguagem, o ritmo da fala, da
voz. Depois disso é um trabalho técnico, de controlar.
Quando eu estava escrevendo eu conversava muito com o Helmut,
que era outro escritor que estava na casa. Ele era um bom papo.
Aí uma vez eu contei para ele:"Hoje eu tive que eliminar
todo o primeiro capítulo do livro, umas vinte páginas
caíram fora". Ele então me respondeu. "Ótimo,
todo livro devia começar na página vinte. Pouco
autores descobrem isto a tempo" (risos).
Voce faz pesquisas antes de escrever sobre seus personagens?
Não. O meu material humano e personagens são de
uma classe média urbana brasileira, eu acho que Curitiba
é um laboratório perfeito para isto. Um biotério
da classe média. Aqui você tem uma redoma, um certo
clima na cidade que se entranhou na minha literatura.
Você utiliza elementos autobiográficos?
Com certeza tem sensações autobiográficas,
experiências. Mas eu jamais escrevi personagens autobiográficos
ou baseados em alguém. Meus personagens são sempre
meio "frankenstein", uma mistura de um monte de gente.
Mas pensam como você?
Eventualmente sim, mas voce nunca pode se identificar completamente
com o personagem, senão destrói a literatura. Essa
é uma alma da ficção, você ter sempre
um pé atrás com relação ao seu personagem
por mais que você goste dele. Porque se você se identifica
.demais, você escreve aquele que é você, de
uma forma sem distância, você passa para o panfleto,
perde a qualidade ficcional maior que é a relativização
das coisas. A desconfiança com quem está falando.
O que é a literatura panfletária? É aquela
que o autor não consegue se separar de seu personagem.
Vira uma outra linguagem.
Mas você fica com o pé atrás o tempo todo?
Não necessariamente. Às vezes você tem o momento
de empatia, concorda com umas coisas, discorda de outras. Exatamente
como a gente faz com as pessoas. Você não se identifica
cem por cento com ninguém, não existe uma cópia
sua andando na rua. A relação do autor com o personagem
para mim é mais ou menos a mesma.
Para finalizar, porque a mudança da editora Record para
a Rocco?
Eu estava precisando de uma editora que fizesse um trabalho mais
sistemático com a minha literatura, e eu achei que a Rocco
tinha um perfil ideal para isto. O projeto a médio longo
prazo é passar toda a minha obra para a Rocco. A quinta
edição do "Trapo" já vai sair pela
nova editora.
Esta nova edição tem alguma modificação?
Não, nenhuma. Eu fiz a revisão do texto agora e
fiquei contente porque é um livro escrito em 82, e eu acho
que ele está inteiro, o texto está vivo.
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