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INDÚSTRIA & COMÉRCIO
Curitiba, 18/03/1993 - p. A12
A arte e o ofício da literatura segundo
Cristovão Tezza
David Campos
(Participaram também desta entrevista
Aroldo Murá Gomes Haygert, Jamil Snege e Gladimir Nascimento)
Indústria & Comércio - O sr. começou
a escrever cedo?
Cristovão Tezza - Eu estou com quarenta anos. Comecei
a escrever com 15.
l&C- Com essa idade já escrevia a sério?
Cristovão Tezza - A gente acha que é a sério.
I&C - O sr. escrevia o quê?
Cristovão Tezza - Poesia, como todo adolescente.
Aí, eu comecei a mostrar para o Jamil (Snege), que era
meu professor de Literatura. Ele achou que estava uma droga e
eu mudei de rumo.
l&C - E quando o sr. começou a publicar?
Cristovão Tezza - Comecei com "A Cidade Inventada",
um livro de contos, em 1980. E aí não parei mais.
Veio "O Terrorista Lirico', "O Ensaio da Paixão"
, em seguida "Trapo" e "Aventuras Provisórias".
Depois veio "Juliano Pavollini", "A Suavidade do
Vento" e esse ano sai "O Fantasma da Infância.
I&C - Como foi esse caminho, dos 15 anos, quando o
sr. começou a escrever, até publicar o primeiro
romance?
Cristovão Tezza - Naquela geração,
tinha-se projetos existenciais. Pensava-se a vida num outro sentido,
de se ter uma maneira alternativa de viver. Era uma geração
sonhadora. Havia um certo sentido de responsabilidade com as coisas
que acontecem no mundo. E eu, depois de terminar o 2º grau,
demorei a entrar na universidade. Abri urna relojoaria, fiz um
pouco de tudo. Aí, em 1977, eu casei e entrei na universidade,
que me deu condições de trabalhar como professor,
que é o que me possibilita escrever.
I&C - O sr. é professor na UFPR de Lingua Portuguesa.
Já pensou em lecionar Literatura?
Cristovão Tezza - Nunca conseguiria dar aulas de
Literatura.
I&C - Por quê?
Cristovão Tezza - A Literatura é para uso
próprio.
I&C - O sr. tem algo inédito, na gaveta?
Cristovão Tezza - Não. Já houve uma
fase em que eu cheguei a ter quatro livros inéditos. Para
se ter uma idéia, o "Trapo" foi escrito em 1982
e publicado em 1988. Nesses seis anos, eu escrevi mais três
romances. Mas agora se estabilizou minha relação
com a editora. O livro que eu acabei agora sai até o final
do ano.
I&C - Os escritores do Sul, salvo exceções,
nunca tiveram grande proeminência se comparados aos do Nordeste,
por exemplo. Como está o mercado do Sul hoje?
Cristovão Tezza - Curitiba se ressente da falta
de uma grande editora que centralize a pradução,
como sempre aconteceu em Porto Alegre. Por exemplo, a Editora
Globo, que foi uma das mais importantes do País nos anos
50, e agora tem a Mercado Aberto, a LP&M, a Tchê. E
em Curitiba nunca deu certo. Eu até participei da fundação
de duas: da Co-Editora e a Criar, que por falta de condições,
de capital, não deram certo. É um investimento de
alto risco. E com uma recessão brutal... e pouca gente
lê. Hoje, tiragem de 1500, 2000 exemplares, significa que
vendeu muito bem. Há poucos, dois ou três escritores,
que no Brasil conseguem independência somente escrevendo.
I&C - E como está o panorama literário
aqui do Sul?
Cristovão Tezza - É difícil saber.
Não dá para acompanhar. Eu sei que há muita
gente produzindo e deve haver muita coisa na gaveta, porque publicar
um livro de uma pessoa desconhecida é muito dificil. Em
Curitiba, a produção é bastante diversificada.
Não há propriamente uma escola curitibana, uma linha
só. Certamente, se houvesse uma grande editora que pudesse
dar vazão a essa produção o destaque seria
maior.
I&C - Dos seus livros, qual o sr. gosta mais?
Cristovão Tezza - O que eu acabei de escrever. "O
Fantasma da Infância".
I&C - Do que trata o livro?
Cristovão Tezza - Eu tenho dificuldade em falar
dos meus próprios livros. Éum livro contemporâneo,
que se passa em Curitiba em 1992, e há uma outra parte
que se passa em Florianópolis em 1982. Nele, eu amadureço
meus temas. Tecnicamente e tematicamente, é o meu livro
mais maduro.
I&C - "Trapo" é o seu maior sucesso?
Cristovão Tezza - Sim. Está na quarta edição
e já vendeu uns dez mil exemplares, o que é surpreendente.
I&C - Foi o "Trapo" que abriu os caminhos
para você?
Cristovão Tezza - Foi. Pelo fato de ter sido publicado
pela (Editora) Brasiliense. Esse foi um dos motivos. Uma grande
editora sempre consegue divulgar melhor e se o livro corresponde...
Foi uma união feliz.
I&C - O "Trapo" foi rotulado como um livro
ao estilo do escritor norte-americano Charles Bukowski, que é
muito lido por adolescentes e jovens. Isso atrapalhou?
Cristovão Tezza - Esse foi um mal-entendido que
saiu publicado no posfácio do livro. Em 1982, quando eu
escrevi o livro, nem sabia quem era Bukowski nem John Fante (escritor
norte-americano). Esse aspecto do livro para jovem é um
traço da Editora Brasiliense, principalmente do Caio (Prado,
editor, morto há pouco tempo). O Caio marcava a produção
editorial muito nesse sentido. Sempre houve coleções,
como o "Circo de Letras", "Cantadas Literárias",
direcionadas para um determinado público, visando formar
leitores.
I&C - Como é seu processo de criação?
Cristovão Tezza - Eu fico um ano com a idéia
na cabeça, amadurecendo. Eu já tenho a idéia
para o próximo romance na cabeça.
I&C - Que critérios o sr. utiliza para escolher
entre várias idéias, qual a melhor?
Cristovão Tezza - São temas que às
vezes ficam anos na minha cabeça até tomar corpo
ficcional. E quando eu começo a escrever já tenho
uma estrutura quase que completa.
I&C - E quanto tempo o sr. leva para escrever um livro?
Cristovão Tezza - De oito meses a um ano.
I&C - Já aconteceu de o sr. escolher um tema
e, na hora de abordá-lo, não se resolver, obrigando-o
a recuar?
Cristovão Tezza - Já. Eu já tive alguns
romances gorados, que eu escrevi 30, 40 páginas e cheguei
à conclusão de que aquele não era o momento.
Por isso que eu me sinto seguro quando tenho um arcabouço
inteiro, mesmo que, no decorrer do trabalho, o livro tome outra
direção. Esse "O Fantasma da Infância",
que vai sair, eu fiz dois finais nas últimas 30 páginas.
Eu testei com alguns leitores a versão original, mas eu
próprio estava insatisfeito. Então escolhi a segunda.
Eu acho que agora está legal.
Primeiro eu faço uma versão. Não releio,
a não ser o capítulo do dia. Depois, eu pego esse
primeiro rascunho e vou relendo e recriando. Os personagens mudam
de nome durante a história, as situações
também...
I&C - Não há dogmas no que o sr. escreve,
então?
Cristovão Tezza - Não. Depende muito da linguagem.
As linguagens do "Trapo" e do "Juliano Pavollini",
por exemplo, são substancialmente diferentes. "A Suavidade
do Vento" é um livro estranho, não tem nada
a ver com o restante.
I&C - Isso significa que o sr. ainda não encontrou
um estilo próprio, único?
Cristovão Tezza - Eu tenho como tendência
da um espaço muitogrande para as vozes dos meus personagens.
É uma fantasia dizer que eles têm autonomia, mas
o meu ideal seria uma voz que falasse por conta, que visse o mundo
de outro modo, com outro olhar. Eu procuro trabalhar com esse
contraponto. Não quero ser aquele narrador ditatorial que
compõe uma parábola fechada.
I&C - Quando o sr. está escrevendo, continua
lendo outros livros, ou procura isolar essa influência?
Cristovão Tezza - Alguns escritores são muito fortes.
Eu evito ler quando... por exemplo, quando eu descobri (William)
Faulkner, me deu uma vontade de sair escrevendo igual a ele. Outro
escritor que é muito forte é o Rubem Fonseca. O
Dalton Trevisan tem também uma linguagem fortíssima.
E quem escreve tem, naturalmente, uma receptividade maior, é
mais entregue à linguagem do texto alheio. Mas eu não
tenho medo da influência. Ninguém está sozinho.
A gente vem de mil ramificações. E eu sinto que
tenho uma linguagem bem madura, bem própria.
I&C - Até agora, o sr. privilegiou personagens
masculinas. O sr. não pensou em dar maior vazão
a personagens femininas?
Cristovão Tezza - "O Fantasma da Infância",
que vai sair, tem uma boa parte que é um diário
escrito por uma mulher. É um risco literário. Eu
tenho atração por personagens femininas, porque
eu sei que é um desafio muito grande. Quando eu escrevi
"Ensaio da Paixão", que é um livro de
aprendizagem, dos anos 70, havia um monólogo de uma personagem,
uma jornatista, mas estava muito inseguro e o estereótipo
tomava conta.
I&C - Há algum livro seu que está na
memória há muito tempo e ainda não foi escrito?
Cristovão Tezza - É o que eu pretendo escrever
agora.
I&C - Qual é o tema?
Cristovão Tezza - É uma estória de
amor, o tema mais difícil do mundo.
I&C - O senhor tem alguma coisa nova a dizer sobre
o assunto?
Cristovão Tezza - Não sei. Isso eu vou descobrir
quando escrever. Eu já tenho o título do livro,
"Uma Noite em Curitiba".
l&C - Qual é a personagem feminina da literatura
que mais o fascina?
Cristovão Tezza - É a Capitu. É difícil
achar outra.
I&C - O Brasil está passando por uma entressafra
de novos escritores. Na sua opinião, por que isso ocorre?
Cristovão Tezza - Em geral, o escritor, quando começa
a aparecer no Brasil, já tem 50, 60 anos. Mas é
uma preocupação pueril essa. A produção
literária brasileira é um conjunto que vai ser sedimentado
com o tempo. Há escritores extraordinártos que não
são populares. Por exemplo,o Raduan Nassar. Ninguém
discute a alta qualidade literária dos dois livros que
ele publicou ("Um Copo de Cólera" e "Lavoura
Arcaica"). Mas ele está praticamente restrito a uma
elite intelectual. Não tem apelo popular.
I&C - Como o sr. trabalha diante da gíria? Em
alguns livros seus percebe-se uma certa intromissão da
gíria, e em outros ela está praticamente eliminada...
Cristovão Tezza - A gíria envelhece rapidamente.
O uso da gíria vai depender do grau de imediatismo ou não
do livro. Na minha literatura, a gíria está tendendo
a desaparecer.
I&C - No caso do "Trapo", há, no entanto,
uma linguagem própria. O livro foi escrito em 1982, lançado
em 1988, e permanece atual.
Cristovão Tezza - Aí eu tive uma certa preocupação
de marcar uma época, mas não por palavras avulsas.
Havia uma preocupação com a mentalidade da época.
I&C - No "Trapo" o sr. tem momentos de liberalidade,
muito mais que em outros livros seus, que são os textos
do próprio Trapo. Parece que o sr. delegou ao Trapo a função
de produzir textos que o sr. mesmo não produziria como
autor.
Cristovão Tezza - É o doce pássaro
da juventude. A origem do "Trapo" começou com
poemas que eu escrevi. Eram brincadeiras poéticas que eu
fazia. E eu pensava: "Eu não assino isso embaixo.
mas alguém poderia ter escrito isso aqui". E eu acho
que a linguagem romanesca minha depende muito disso.
I&C - Não é uma maneira muito cômoda
de fugir de um possível fracasso?
Cristovão Tezza - Não é não.
É uma maneira de eu descobrir qual é a minha linguagem.
I&C - Qual é a sua relação com
a crítica? O sr. pensa nela?
Cristovão Tezza - Não. De maneira nenhuma.
Pelo tempo de cadeira, eu não me incomodo em receber uma
critica. Depois que o livro foi publicado, eu me interesso em
saber qual a repercussão. É óbvio. Mas não
sou capaz de me afundar de tristeza.
I&C - O sr. escreve diariamente?
Cristovão Tezza - De segunda a sexta-feira. Quando
o romance engrena, são oito meses assim.
I&C - O sr. escreve à máquina ou no computador?
Cristovão Tezza - Hoje, no computador, mas escrevia
à mão.
I&C - Utilizando o contputador, o sr. não se
sente tentado a alterar o texto constantemente?
Cristovão Tezza - Não. As correções
eu faço em uma cópia, em papel, no final do dia.
Eu não confio muito no computador.
I&C - Qual é o futuro do livro?
Cristovão Tezza - O livro é eterno, não
compete com outras formas de comunicação.
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