Revista VEJA - PARANÁ
28 de agosto de 1991, pp. 4-5

Rumo às bienais
Paranaense lança livro em São Paulo e Frankfurt

Marleth Silva

Uma das mais esperadas atrações da Bienal Internacional do Livro, a maior feira livreira do país, que abre esta semana no Rio de Janeiro, atende pelo prosaico nome de Josilei Mattoso, trabalha como professor no sudoeste do Paraná e carrega os originais do romance que escreveu em caminhadas pelo Passeio Público de Curitiba. Mattoso é o personagem central do novo livro do catarinense radicado em Curitiba Cristovão Tezza, autor apontado pela crítica como uma das revelações da literatura brasileira. O crítico e professor de Literatura da Universidade de Nova York, Wilson Martins, refere-se a ele como "grande nome da literatura contemporânea".

O que acontece com A Suavidade do Vento, o romance que conta as idas e vindas de Josilei Mattoso e sua literatura pelo Paraná, é que os sete livros já publicados de Tezza estão garantindo uma recepção no mínimo muito interessada por parte de críticos e leitores para essa oitava obra, editada pela Record.

Bom sinal pra Tezza. Até que Trapo fosse publicado em 1988, depois de esperar seis anos por uma editora, ele - como todo escritor estreante - teve de se armar de paciência. "Esperei tranqüilo porque sabia que um dia prestariam atenção em meu trabalho", recorda. Os dois livros que se seguiram tiveram boa acolhida. Aventuras Provisórias, um romance que se passa entre Curitiba e Florianópolis, onde o autor também viveu, saiu em 1989 pela editora Mercado Aberto, e Juliano Pavollini no final do mesmo ano pela Record. Antes, Tezza já havia publicado Gran Circo das Américas (Brasiliense, 1979), a coletânea de contos A Cidade Inventada (CooEditora, 1980), gênero que abandonou, O Terrorista Lírico (Criar, 1981) e Ensaio da Paixão (Criar/Fundação Catarinense de Cultura, 1986).

Passo a passo esse catarinense de Lages - que se considera curitibano por conta dos quase trinta anos que vive na capital - vai se aproximando do sonho de se dedicar apenas à literatura. Professor de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Paraná, ele tem se dividido entre as quatro horas diárias dedicadas a escrever - a mão - e à sala de aula, que garante o sustento da família. Tezza é casado com Elisabeth, professora universitária como ele, e tem dois filhos. Mas a literatura é seu grande projeto de vida. "Escrever é uma necessidade para mim, mas também um prazer", define. A literatura é meu frágil ninho de porcelana.

É esse lado prazeroso do ofício que mais aparece quando Tezza fala sobre seus livros. Mais do que o ato de agressão, a que se refere em A Suavidade do Vento em uma das reflexões que o personagem Mattoso faz sobre literatura. Ele ri muito quando lembra suas primeiras experiências literárias. Ainda adolescente escreveu três romances que, adulto, achou por bem queimar, tamanha eram as asneiras registradas no papel. O primeiro deles recebeu o sugestivo nome de O papagaio que morreu de câncer. "No começo da carreira ele era apenas um escritor descartável. Hoje é o único escritor inventivo da literatura brasileira", diagnostica o crítico Manoel Whitaker Salles. "Ele atingiu a maturidade".

"A certa altura resolvi parar de escrever bobagens e aprender a escrever de verdade", conta. A resolução foi seguida à risca. A Cidade Inventada foi reescrita quinze vezes. A revisão cuidadosa do texto tornou-se um importante instrumento de trabalho. A Suavidade do Vento foi reescrita três vezes, inclusive com o corte de alguns capítulos na versão definitiva. Mesmo assim Tezza conseguiu concluí-lo em dez meses, dois a menos que o estabelecido pela Bolsa Vitae de Literatura, que patrocinou seu trabalho. A rapidez parece ser marca de Tezza, que escreveu Aventuras Provisórias durante uma greve de três meses nas universidades federais.

Não é fácil imaginar as loucuras de juventude por trás de Cristovão Tezza, que circula pelos corredores da Universidade Federal do Paraná e, em outubro, estará divulgando A Suavidade do Vento na Feira do Livro de Frankfurt, a maior vitrine da literatura de todos os cantos do planeta. As suas aventuras começam com o sonho juvenil de ingressar na Marinha Mercante. Tezza, no entanto, não passou da escola preparatória porque não se adaptou à disciplina rígida, quase militar. Veio então a vontade de viver a idéia mais nova que grassava entre os jovens naquele início dos anos 70. E lá foi o escritor viver à margem do sistema, reunido ao grupo de teatro de Wilson Rio Apa, em Antonina. Tezza representava e escrevia. Chegou a ter uma peça sua em montagem no Teatro Guaíra.

Seguiu-se uma temporada como mochileiro na Europa, e a volta ao Brasil, mais especificamente a Antonina, onde montou uma relojoaria. O nome do estabelecimento revelava sua verdadeira inclinação. Era Cinco em Ponto, nome de um poema de Federico García Lorca. Um detalhe pitoresco: Tezza aprendeu a consertar relógios em um curso por correspondência, do qual ainda guarda o diploma. "Decidi trabalhar como relojoeiro para poder casar com a Beth, mas descobri que essa profissão não dá dinheiro", lembra. Casado, ele foi para o Acre trabalhar como datilógrafo e professor de cursinho. Foi lá que, por insistência da esposa, entrou no curso de Letras. De volta a Curitiba, viveu de bicos enquanto Beth sustentava a casa, até se formar.

As aventuras pessoais e a forma divertida como Tezza prefere contá-las não servem para dar idéia do universo mostrado em seus livros. A narrativa cuidadosa fala de personagens aflitos deparando-se com situações que contrapõem o mundo interior à realidade. Os personagens de Tezza parecem tão reais para o leitor que podem ser imaginados como pessoas da vizinhança. E isso não se deve ao fato de que esses personagens vivem em cenários familiares ao leitor paranaense.

"Eu imagino uma situação dramática e escolho um pano de fundo", explica. "O pano de fundo é o Paraná, porque esse é o lugar que eu conheço melhor", diz o autor de A Suavidade do Vento. Sintomaticamente, o tratamento dispensado a Curitiba por ele tem a mesma pitada de sarcasmo que caracteriza a obra de Dalton Trevisan, o mais ilustre escritor paranaense, que Tezza venera como um mestre da literatura.

Admirador de escritores que se esmeraram no tratamento dado à narrativa, como Machado de Assis e Rubem Fonseca - Trapo até lembra vagamente as obras do autor de A Grande Arte -, Cristovão Tezza dá a cada um dos seus livros um tratamento completamente diferente que faz com que eles não fiquem parecidos um com o outro. Mais um resultado do labor literário desse curitibano por opção, que brinda seu ofício com uma definição simples e apaixonada: "Escrever é uma delícia".

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