Correio Braziliense -
Caderno Dois
Brasília, 7 de fevereiro de 1990
A busca da identidade e o fantasma da solidão
O escritor Cristovão Tezza vai receber uma das Bolsas
Vitae para escrever um romance sobre a solidão humana
Regina Dalcastagnè
Escrever no Brasil nunca foi muito fácil. A falta de
dinheiro implica falta de tempo, e a falta de tempo, um adiar
constante de qualquer boa idéia. Claro que isso não
impede o surgimento de bons escritores - eles produzem à
noite, nos feriados e dias santos, nas férias ou mesmo
quando se aposentam - mas certamente lhes dificulta a vida.
Alguns conseguem escapar deste círculo vicioso momentaneamente,
através de auxílios extra-oficiais. É o
caso de Cristovão Tezza, que durante os próximos
12 meses vai receber um salário da Fundação
Vitae para escrever seu novo livro.
Autor de sete obras publicadas, Tezza vai aproveitar a bolsa
pra concretizar A suavidade do vento, romance que conta
a história de um solitário professor de segundo
grau no interior do Paraná. Leitor de Clarice Lispector
no início dos anos 70, o personagem escreve um livro
que lhe transtorna a vida. Com esse fio narrativo, Tezza pretende
falar da solidão humana e de sua angustiada busca da
identidade. Um meta-romance, numa temática fértil,
que já ofereceu pelo menos uma obra-prima à literatura
brasileira: A Rainha dos Cárceres da Grécia,
de Osman Lins.
Cristovão Tezza nasceu em Lages (SC), em 1952. Com a
morte do pai, sua mãe transferiu-se com os quatro filhos
para Curitiba, onde ele voltou a residir em 1986. Nesse meio
tempo, fez de tudo. Em 1971, entrava na Escola de Oficiais da
Marinha Mercante, de onde sairia dez meses depois "por
absoluta incompatibilidade com o ambiente militar". Daí,
ia para o interior do Paraná participar da comunidade
de teatro popular dirigida por Wilson Rio Apa. Nos anos seguintes
viajou com o grupo por vários festivais de teatro amador.
Em 1974, ele era aprovado pelo Convênio Luso-Brasileiro
para estudar Letras em Coimbra. Chegando lá, em plena
Revolução dos cravos, encontrou a universidade
fechada. Então, foi para Frankfurt, trabalhar ilegalmente
em firmas de limpeza: "Fiquei um tempo, ganhei dinheiro
e voltei para o Brasil, para Antonina (PR), onde abri uma relojoaria
chamada "Cinco em Ponto". Passei a consertar relógios
até perceber que os japoneses já tinham acabado
com a minha profissão artesanal há muito tempo".
Em 1977 Tezza se casava, fechava a relojoaria e mudava para
o Acre, onde fez o vestibular de Letras. Para sobreviver, dava
aulas em cursinhos, revisava, datilografava textos e cumpria
meio expediente no escritório de advocacia de seu irmão.
"Quando eu já estava quase me transformando num
rábula interessante resolvi voltar para Curitiba, prosseguindo
o curso de Letras na Federal. Formei-me em 1981, virei free-lancer,
comprei um sobradinho pelo BNH e tive que devolvê-lo um
ano depois". Fez pós-graduação em
Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina, lecionou
ali como professor auxiliar e, mais uma vez, voltou para Curitiba,
onde dá aulas de Língua Portuguesa, na Federal
do Paraná.
Obras - Tezza começou a escrever em 1965, aos
13 anos de idade. Fazia poemas inspirado por Castro Alves, Casimiro
de Abreu, Fagundes Varela e Gonçalves Dias. "Ao
mesmo tempo aprendia datilografia com um manual sebento - a
s d f g - e, para praticar, copiava diálogos de revistas
em quadrinhos, até que resolvi contar minhas próprias
histórias, numa mistura de Walt Disney, Júlio
Verne e edificantes lições de moral. Tudo isso
na Floresta Amazônia, onde havia leões, como se
sabe". Chegou a escrever algumas historinhas em fascículos,
para vender aos colegas do ginásio, capítulo a
capítulo. mas a empreitada fracassou: "Já
naquele remoto tempo ninguém dava importância à
cultura, à literatura. Nascia aí o escritor e
sua choradeira típica".
Depois disso, em 1970, 1971 e 1972, Tezza escreveu três
livros: O Papagaio que Morreu de Câncer, A Televida
e A Máquina Imprestável. "Todos romances,
todos imprestáveis, todos incinerados". Só
sete anos mais tarde ele se aventuraria a publicar sua primeira
obra, o romance Gran Circo das Américas - ainda
um exercício narrativo. Logo depois sairia A Cidade
Inventada, uma coletânea de contos, em sua maioria
escritos em Portugal. Em 1981 era editado mais um romance, O
Terrorista Lírico. A partir daí, Tezza entra
no que ele chama de "maturidade literária".
O primeiro romance dessa nova fase foi escrito em 1981 e publicado
em 1986. É Ensaio da Paixão, onde um profeta
solitário vive uma Paixão de Cristo sem roteiro
nem platéia. O livro, inspirado em sua experiência
no teatro, mistura o registro naturalista com o fantástico.
Já em Trapo, de 1988, Tezza começa a descobrir
sua própria linguagem literária. O livro conta
a história de um jovem poeta suicida que deixa mil páginas
inéditas nas mãos de um professor viúvo
e arredio. Alternando os relatos dos dois personagens, o autor
revela o descompasso entre os sonhos e a realidade urbana.
Aventuras Provisórias, romance publicado em 1989
e premiado no Concurso Petrobrás de Literatura Brasileira,
tem uma estrutura completamente diferente de Trapo. É
uma narrativa circular, que aprofunda algumas das obsessões
do autor: a família, a solidão, as misérias
da classe média, a ânsia de vôo dos que não
têm asas. Depois dele veio Juliano Pavollini, que acaba
de chegar às livrarias. É, sem dúvida,
sua obra mais completa, onde Tezza diz ter abandonado seus demônios.
Agora ele convida outros para participarem de seu novo livro,
que ainda não está muito bem definido. De qualquer
forma, ele poderá ser escrito com mais tranqüilidade
que os anteriores: "Só fica um pequeno terror, mas
esse carregamos pela vida: se o livro não prestar, que
desculpa terei?"
voltar