Hoje em Dia
Belo Horizonte, 25 de outubro de 2010 .

Cristovão Tezza lança nova obra
"Um erro emocional"

Patrícia Cassese

Cristovão Tezza vira a sensação literária deste ano, depois de seu romance "O Filho Eterno" ter faturado quatro prêmios

Nem precisa ser absolutamente enfronhado na movimentação da cena literária brasileira para saber que, nos últimos anos, ele arrebanhou os mais importantes prêmios desta seara com o primoroso “O Filho Eterno” (2007). Mas julgando que alguém passou este período em outro planeta, Cristovão Tezza (nascido em Lages, Santa Catarina, mas radicado em Curitiba) levou para casa as estatuetas Jabuti, Portugal Telecom, São Paulo de Literatura, Bravo!, APCA e Zaffari & Bourbon. A boa notícia é que Tezza está de volta às prateleiras de lançamento, com “Um Erro Emocional” (Record, 192 páginas, R$ 34,90), juntamente com nova edição do romance “Juliano Pavollini” (1989). “Um Erro” traz a historia de um amor entre um escritor, de 42 anos “mal vividos” e uma revisora de texto. Detalhe: a trama se desenrola em uma noite. Confira, a seguir, trechos da entrevista concedida por Tezza.

Em recente entrevista, você disse, em tom divertido, ter a impressão de que não passaria vergonha com o novo livro. Em algum momento, se sentiu, vamos dizer assim, tolhido, frente ao fenomenal sucesso de público e crítica de “O Filho Eterno”?

Para falar a verdade, não. Eu sinto um calafrio sempre que lanço um livro novo; parece que começa tudo de novo. Mas o sucesso de “O Filho Eterno” não me abalou como escritor. Me mudou como pessoa – pedi demissão da universidade, mudei minha vida e minha rotina, estou me adaptando a uma sequência pesada de viagens... Mas, no momento de escrever, continuo o mesmo de sempre.

Consta que o novo livro foi escrito nos dois últimos anos, não mais que uma página por dia “para evitar o desgaste”. A que tipo de desgaste se refere?

É um cuidado que tomo sempre: jamais escrevo demais no mesmo dia. Quando sinto que estou escrevendo muito, paro de propósito e deixo para continuar no dia seguinte. Comigo, o livro nunca está pronto na cabeça, como se bastasse escrevê-lo – é o ato de escrever que amadurece o texto. Portanto, tenho de ir com calma, porque senão o livro nasce verde...

Um desdobramento da pergunta anterior: um escritor consegue estipular a vazão de sua criatividade, digo, é possível uma mente fervilhante se sentar em frente a um computador e se limitar a uma página, no máximo, por dia? Manter uma certa racionalidade ante algo que parece ser tão ligado à emoção?

Acho que sim – no meu caso, acontece exatamente assim. Sou uma cabeça racionalizante. Na infância, fui leitor de Monteiro Lobato, Júlio Verne, Conan Doyle – todos escritores racionais, racionalizantes e iluministas. Isso me deixou marcas, eu acho. Nem toda a porralouquice dos anos 70, que igualmente me marcou, conseguiu apagar essa herança “organizadora”... A emoção, num texto literário, é sempre a representação de uma emoção – e isso só se consegue fazer a frio. Para quem escreve, literatura não é catarse nem desabafo.

No curso destes dois anos, outros projetos não “tentaram” atropelar “Um Erro Emocional”?

Sempre me acompanham duas ou três historias potenciais, que ficam batendo na cabeça, às vezes anos a fio. Mas sem atropelo. Iniciar um romance, para mim, é uma decisão difícil, organizada e planejada – penso no tempo que terei adiante, nas horas que vou reservar para o livro, essas coisas metodicas. Não me lembro de algum projeto ter “furado a fila” - exceto talvez quando escrevo contos, o que é raro.

“O Filho Eterno” foi lançado em sete países... Em qual obteve um feedback maior? Mesmo já tendo sido lançado há três anos, a obra segue sua trajetoria?

Foi lançado em Portugal, Itália, Espanha (na verdade, em Barcelona, em catalão), França, Holanda, Austrália e Nova Zelândia. E há algumas negociações em curso. Na França, ganhou um prêmio, o “Charles Brisset”, entregue no Salão do Livro de Paris deste ano. A crítica tem sido muito boa em toda parte, particularmente na Austrália, em que o livro está vendendo bem. Mas é preciso ter em mente que a literatura brasileira tem sido mais ou menos irrelevante no resto do mundo. É duro dizer, mas é verdade. Com “O filho eterno”, comecei a perceber a “vida real” da literatura brasileira no exterior – não é fácil, há uma profunda resistência dos editores estrangeiros a publicar brasileiros. No mundo da língua inglesa, em especial, essa barreira é terrível. Para se ter uma ideia, menos de 3%o dos livros publicados nos EUA são traduções; na Inglaterra, esse índice é de 5 por cento.

Você admite que o “Filho Eterno” deu uma “chacoalhada” em sua vida... De que forma ela (a chacoalhada) se reflete, em termos concretos, no dia-a-dia?

Aceito participar de feiras, bienais, encontros culturais que girem em torno do livro e da literatura. Mas tento me preservar um tanto, senão, você vira um arroz de festa e não escreve mais nada. Tenho viajado muito, praticamente toda semana, já há quase um ano, e isso está me cansando bastante. Tenho planos de não fazer nada ano que vem. Nada mesmo – a utopia das vagabundagem completa! Vamos ver se consigo. Mas tenho lido bastante, porque viagens facilitam a leitura – é muito tempo em avião e sala de espera, em hotéis de cidades estranhas.

 

Para Tezza, figurante de novela teria mais visibilidade que autores

“O Filho Eterno” narrava a historia, em parte autobiográfica, de um pai, escritor, que descobre, ainda na maternidade, que seu filho é portador da Síndrome de Down. Comovente, embora longe de cruzar a linha tênue que separa relatos congêneres da pieguice, “O Filho Eterno” levou Cristovão Tezza, que já tinha vários outros títulos publicados, às listas dos mais vendidos, recebendo, concomitantemente, críticas pra lá de generosas da imprensa especializada. Mas, instado a falar sobre a guinada que aconteceu em sua vida, ele prefere adotar a cautela.
“Quando se fala em “sucesso” de um escritor, é preciso ter em mente que qualquer figurante de uma novela é súbita e infinitamente mais popular do que o mais popular dos escritores”, defende. Para Tezza, a popularidade de um escritor é quase que a de um clube secreto, “formado por essas aves raras que leem livros de ficção e gostam de poesia”. Escritores, para o agora cidadão curitibano, são seres que vivem na sombra, como diria (Carlos Drummond de Andrade)”.
Ao mesmo tempo, ele acredita que, contrariando prognósticos pessimistas, a literatura tem encontrado mais reverberação na sociedade. “É claro, de alguns anos para cá, cresceu exponencialmente o espaço de circulação da literatura, em grande parte graças à internet. Já tem muita gente vivendo do livro e de seus derivados, digamos assim, o que era impensável duas ou três décadas atrás”, entende ele, lembrando que ainda não tem nenhuma data agendada para lançar “Um Erro Emocional” na capital mineira.
“Por enquanto não. Mas já estive várias vezes em Belo Horizonte”, rememora. Bem, semana passada, ele participou de um evento literário em São João del-Rei. Indagado sobre o que seria um “erro emocional”, Cristovão Tezza prefere se limitar ao espectro de seu novo trabalho.
“O título tem um toque irônico – o erro emociona que Paulo Donetti, o personagem do livro, confessa, é ter se apaixonado por Beatriz. O romance todo gira em torno desse tema”.


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