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Jornal do Commercio
Recife, 23 de agosto de 2005.
ENTREVISTA/ CRISTOVÃO TEZZA
Schneider Carpeggiani
A solidão é uma questão social
A história de solidão de uma série de personagens às vésperas da eleição presidencial de 2002 retratada no romance O fotógrafo, fez com que todas as atenções do mundo literário brasileiro se voltassem para o escritor curitibano Cristovão Tezza. O fotógrafo ganhou o prêmio de melhor romance de 2004 concedido pela Academia Brasileira de Letras e está entre os indicados da primeira fase do Portugal Telecom – a mais polpuda premiação literária do País. Confirmado para a Bienal do Livro de Pernambuco, marcada para outubro, o autor conversou com o JC sobre o sucesso, sobre os “fantasmas” que rondam as ruas de Curitiba e explicou por que a literatura é a mais lenta das artes – “Ela responde muito demoradamente às circunstâncias do tempo imediato. Penso que é justamente nesta demora, nesta lenta sedimentação, que está a sua força e sua permanência.”
JORNAL DO COMMERCIO – O fotógrafo ganhou prêmio de melhor romance pela Academia Brasileira de Letras e está entre os indicados da primeira fase do Portugal Telecom. Como é que você encara toda essa exposição do seu livro?
CRISTOVÃO TEZZA – Isso é muito bom, não? Os prêmios de prestígio que estão voltando com toda força, de uns tempos para cá. Para o autor, é uma oportunidade rara de exposição e divulgação do livro. Para o leitor, uma oportunidade de saber o que é editado na ficção brasileira recente, uma produção que só com muita dificuldade tem alguma presença mais nobre nas livrarias.
JC – O sucesso de um livro aumenta o convite para debates, palestras, conversas com o público. Este ano, por exemplo, você participou da Bienal do Livro do Rio de Janeiro e da Flip. O que você acha do lado social da vida do escritor?
CT – Este ano estou participando mesmo de muitos eventos. Em setembro vou também para a Feira do Livro de Brasília e para a Bienal da Bahia, e, em outubro, para a Bienal de Recife. Bem, para quem vive fora do eixo, como eu, que sou de Curitiba, essas viagens são ótimas. Gosto de viajar e de conversar.
JC – O fotógrafo começa com a afirmação que “a solidão é a forma discreta do ressentimento”. Qual foi a sua motivação de escrever um romance que tem a solidão como um dos principais “personagens”?
CT – A solidão, de certa forma, é o filé mignon da literatura moderna, que por sua vez acompanhou, de duzentos anos para cá, o desterramento do mundo rural e sua mitologia comunitária e a criação de um mundo urbano em que, programaticamente, estamos sós, soltos e livres – e não sabemos bem o que fazer com isso. Assim, a solidão passou a ser a nossa marca. No meu caso, a solidão, como tema, acompanha meus livros desde o primeiro momento.
JC – Ao contrário da maioria dos escritores urbanos contemporâneos, você prefere escrever sobre angústias, movimentações internas e menos sobre a violência nas grandes cidades. Já pensou em escrever um livro em que as questões sociais ficassem em primeiro plano?
CT – Eu acho que as questões sociais estão sempre em primeiro plano nos meus livros - isto é, entendo mesmo o mais íntimo pensamento como expressão da rede da nossa vida social. Ninguém está sozinho, nunca. A solidão é uma questão social, é parte dela. Agora o tema da violência urbana ou de questões mais palpáveis e visíveis das grandes cidades nunca me interessou. A verdade é que não tenho muito controle sobre meus temas. Escrevo meus livros, mas também sou escrito por eles.
JC – O Fotógrafo, assim como alguns clássicos como Mrs. Dalloway, acontece em um só dia. Você acha que meras 24 horas já são suficientes para um romance?
CT – Com certeza! Dez minutos, bem tramados, já renderiam umas boas 150 páginas! O tempo cronológico é apenas uma das dimensões narrativas. Cada gesto arrasta um passado imenso junto com ele: essa é a matéria do romancista.
JC – O seu livro acontece às vésperas da eleição presidencial de 2002. Você acha que, diante da atual situação política do Brasil, as vésperas das eleições do próximo ano também podem dar um bom pano para manga para um romance?
CT – As circunstâncias políticas do país, como pano de fundo, sempre renderam boa literatura, desde Machado de Assis. E é claro que o terremoto político de hoje pode se tornar um belo material literário. A questão fundamental é que os temas precisam amadurecer, e muito, para a literatura não cair no mero panfleto, na caricatura ou apenas no registro episódico. No caso de O fotógrafo, a eleição presidencial é apenas um vago pano de fundo - como tudo que acontecia naquele dia é relevante para a vida dos personagens, também a questão da eleição vai aparecer em fragmentos, sob diferentes perspectivas. Para o fotógrafo (o personagem), a eleição não significa praticamente nada - ele está esmagado por outros problemas. Para sua mulher, significa simbolicamente uma mudança de vida, que coincide com o seu projeto de mudança pessoal. Para o professor Duarte, a eleição é um ponto de reflexão ideológica, num momento de crise, para o deputado, é uma questão de sobrevivência. Mas um detalhe importante é que a literatura é uma arte lenta, a mais lenta das artes. Ela responde muito demoradamente às circunstâncias do tempo imediato. Penso que é justamente nesta demora, nesta lenta sedimentação, que está a sua força e sua permanência.
JC – Qual é a sua relação pessoal e literária com os dois grandes "fantasmas" literários de Curitiba, Dalton Trevisan e Paulo Leminski?
CT – Nos meus 15, 16 anos, final dos anos 1960, quando comecei a alimentar ambições literárias, eu freqüentava a famosa “boca maldita” de Curitiba, os cafés do centro, e ouvia atentamente a conversa das rodas dos intelectuais da terra, entre eles Dalton Trevisan, que já se firmava como o contista extraordinário de Novelas nada exemplares e Cemitério de elefantes. Depois, a vida girou e nunca mais vi Dalton Trevisan, até me mudar aqui para o bairro do Alto da Glória, perto da rua Ubaldino do Amaral, onde vive o Dalton. Somos vizinhos. De vez em quando vejo-o descer a Rua 15 de novembro. Uma única vez abordei-o para pedir um autógrafo. Quando eu disse meu nome, ele brincou: “Então sou eu que tenho de pedir autógrafo!” Foi a minha glória como escritor! (risos...) Bem, não nos falamos mais depois disso, à maneira curitibana. Considero Dalton um dos grandes mestres da literatura brasileira de todos os tempos. Quanto ao Leminski, infelizmente conheci pouco - ele era de outra geração. Estive duas ou três vezes com ele. Ele foi uma referência obrigatória na poesia brasileira dos anos 80, e uma das marcas registradas de Curitiba.
JC – Quais são os seus próximos projetos? Alguma coisa na área do ensaio?
CT – Estou começando um romance, mas a coisa está muito no início ainda e o ano está agitado demais. Não consegui ainda reservar aquelas três ou quatro horas diárias para escrever, e não sei trabalhar sem uma boa organização do tempo. Bem, de certa forma a repercussão de O fotógrafo está me envolvendo o tempo todo, o que é uma coisa boa. Mas já estou sentindo falta da minha solidão costumeira. No ensaio, tenho um vago projeto na cabeça: escrever sobre o romance. Mas isso vai demorar ainda. Escrever ensaio é uma decisão difícil, significa abdicar da ficção por um bom tempo. Não consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
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