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Gazeta do Povo
Caderno G
Domingo, 16 de novembro de 2008
O melhor momento em quatro décadas
Aos 56 anos, 13 livros publicados, Cristovão Tezza vive o seu momento de maior evidência e reconhecimento
Marcio Renato dos Santos
Se um homem pode ser definido pelas suas obsessões, o catarinense radicado em Curitiba Cristovão Tezza construiu a própria trajetória a partir de uma única obsessão: tornar-se escritor. Quarenta anos de prática, 13 livros publicados e ele se torna agora em 2008, fato consumado, um nome conhecido e reconhecido no mapa literário brasileiro. Dois cineastas de reputação nacional cogitam transformar em filme O Filho Eterno, o seu mais recente romance, que abocanhou alguns dos mais importantes prêmios literários, o APCA, o Jabuti, o Bravo! e o Portugal Telecom – e a obra ainda está no páreo pelo Prêmio São Paulo, a ser divulgado quando dezembro chegar.
Essa notoriedade provocou fissuras na rotina de um sujeito que, de maneira geral, passa a maior parte das 24 horas dentro do apartamento em que vive, na Rua General Carneiro. Ele se ausenta, sobretudo, para ministrar 12 horas semanais de aulas na reitoria da UFPR, a menos de cem passos do seu portão. Excetuando esse compromisso, o resto do tempo é consumido principalmente com a família e, nesse novo espaço-tempo, com a imprensa. O Filho Eterno foi traduzido para o italiano e em breve será editado em Portugal, na França, Espanha (em espanhol e em catalão), Austrália e Nova Zelândia. As entrevistas são muitas, em diversos idiomas, diariamente.
Nas paredes da sala, estantes (construídas por ele mesmo) comportam 2 mil livros, alguns dos quais ele escreveu, outros que resenhou para os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo e revista Veja, veículos que passaram a requisitar textos críticos com a assinatura Cristovão Tezza. Perto dos livros, quadros. Alguns deles, reproduções praticamente perfeitas de Van Gogh e Matisse, feitas por Tezza. Ele, que já foi relojoeiro, também faz reparos elétricos (para consumo próprio). “Sou do lema faça-você-mesmo.” Só não conserta encanamento de água. E não tem trabalhado (intensamente) no próximo livro, o sucessor de O Filho Eterno. Mas a futura obra já está em progresso.
Elemento deflagrador
Tezza pode ser definido não apenas por ser um sujeito hábil no uso da palavra escrita, mas também pelo riso fácil. Ele tempera a conversa com senso de humor. E foi em meio a gargalhadas que revelou que o seu próximo romance, que já tem 30 páginas, nasceu a partir de contos que escreveu em tempos recentes. Alguns deles já publicados em revistas, um na Arte e Letra: Estórias, outro na Bravo! Nesses relativamente breves textos ficcionais, um ponto em comum é a presença de uma personagem feminina, em alguns casos Alice, em outros, Beatriz. “A personagem cresceu e protagonizará o romance.” Mais que isso, por enquanto, não conta.
Ele também não sinaliza haver angústia pós-sucesso deste O Filho Eterno, o ponto máximo de sua carreira, mas é mais do que evidente que toda linha, e entrelinha, do seu próximo rebento literário estará na mira dos 10 mil leitores que compraram a obra mais do que premiada. “O Filho Eterno é um livro da maturidade. Tudo é bem resolvido, o jogo do tempo, a técnica enfim.” Ele, que já fez de um professor universitário, de um artista plástico e de um fotógrafo protagonistas, atingiu a sua melhor performance narrativa ao problematizar literariamente o conflito íntimo de um pai com um filho portador de síndrome de Down.
Fruto da maturidade ou (quem sabe?) de “sinceridade” perfeitamente recriada pela ficção, esse bem-sucedido romance fez também com que Tezza passasse a vivenciar temporadas de aeroporto para hotéis rumo a palestras e sessões de autógrafo, praticamente em todo o território brasileiro. Tal exposição não é usufruída hoje, por exemplo, nem por rockstars made in Brasil, nessa incrível derrocada do mercado fonográfico. A literatura estaria em alta? “Hoje, há espaço para o escritor, inclusive com pagamento de cachê. Nas décadas de 1980 e 1990, o escritor praticamente apenas escrevia, sem badalação.”
Curitibano
Quando está em Curitiba, e há jogo do Atlético-PR, o escritor abre as portas do apartamento para uns vizinhos, professores universitários amigos, além de parentes. Equipados com latas de cerveja, camisas oficiais, eles transformam os sofás da sala do apartamento de Tezza em uma “arquibancada rubro-negra”. Um dos mais empolgados é Felipe, o filho eterno, autor de quadros pendurados nas paredes, imagens caracterizadas por cores quentes que sugerem mais alegria que os mais intensos momentos do Furacão.
Essa espécie de furacão que aconteceu na vida de Tezza depois dessa consagração do romance pode até mesmo alterar o futuro dele. “Talvez eu peça aposentadoria antecipada (da UFPR) ano que vem.” A hipótese leva em conta a utopia de, além do convívio familiar, poder se dedicar 100% à literatura. “Faz anos que sempre tenho algo para fazer nas próximas duas ou três horas. Vivo angustiado. Quero, a partir de agora, um pouco de sossego.”
Um dos projetos de Tezza é iniciar caminhadas pelas ruas da cidade. “Até para colher ainda mais temas para as minhas crônicas, publicadas às terças-feiras na Gazeta do Povo.” Ele, que já residiu, em temporadas, em cidades como Antonina, Florianópolis, Rio Branco (AC), Coimbra e Frankfurt, pretende terminar os dias em Curitiba. “Já briguei muito com esta cidade, mas agora estou em paz. Mesmo tendo nascido em Lages (SC), me considero curitibano.”
Cronologia
A seguir, alguns dos momentos-chave da trajetória de Cristovão Tezza.
1952 – Nasce, em Lages (SC).
1959 – Morre o pai. Em 1961, a família migra para Curitiba.
1968 – Integra o Centro Capela de Artes Populares (CECAP), dirigido por W. Rio Apa.
1970 – Concluiu o ensino médio no Colégio Estadual do Paraná.
1974 – Viaja para Portugal com a finalidade de cursar Letras na Universidade de Coimbra, mas a Revolução dos Cravos fecha a instituição. Peregrina durante um ano pela Europa.
1988 – Publica Trapo, que evidencia o seu nome em âmbito nacional.
1998 – O romance Breve Espaço Entre Cor e Sombra é contemplado com o Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional (melhor romance do ano).
2007 – Em julho, publica o romance O Filho Eterno. Em dezembro, o livro recebe o Prêmio da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como melhor obra de ficção do ano.
2008 – Em setembro, O Filho Eterno vence o prêmio Jabuti na categoria melhor romance. Em outubro, abocanha o 4º Prêmio Bravo! Prime de Cultura e consagra-se como o grande vencedor do Prêmio Portugal Telecom 2008 (este com premiação de R$ 100 mil).
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