Gazeta do Povo - Caderno G
Curitiba, 10 de outubro de 2010.

Fragmentos de um discurso amoroso

Três anos depois de conquistar meio mundo com O Filho Eterno, Cristovão Tezza conta a história de um amor desajeitado em Um Erro Emocional

Irinêo Baptista Netto

Cristovão Tezza publica, no próximo dia 18, Um Erro Emocional, um romance relativamente curto – tem pouco menos de 200 páginas – que se passa num espaço de tempo também breve. São apenas dois personagens, um ho mem e uma mulher, conversando durante algumas horas. Eles flertam, jantam e di vagam sobre um mundo de coisas.

Ambos falam pouco, mas suas cabeças trabalham muito. A primeira frase, longa e atordoante, que deságua na confissão: “Eu me apaixonei por você”, anuncia a estrutura do livro, feita de uma mistura dos pensamentos dos dois, daquilo que falam um para o outro e das intervenções do narrador. Às vezes, isso tudo aparece numa sentada, intercalado por vírgulas, pontos-e-vírgulas e travessões. É de tirar o fôlego.

A história de como o escritor Paulo Donetti bate na porta da professora Beatriz para dizer que cometeu o “erro emocional” de se apaixonar por ela sucede o romance autobiográfico O Filho Eterno, vencedor de todos os prêmios relevantes do Brasil – incluindo Jabuti, Portugal Tele com e São Paulo de Literatura.

Pode parece uma situação que afligiria qualquer escritor – trabalhar depois de um sucesso desses –, mas Tezza não perde o sono. Se está preocupado com a recepção do livro novo, consegue dissimular bem. “Quando comecei a escrever, não estava preocupado, mas, à medida que o romance foi ficando pronto, senti aquele ‘medo de sair na rua’ que sempre tenho quando termino um livro. Depois, passou”, diz. Para ele, basta que Um Erro Emocional esteja bom, que as pessoas leiam e gostem. É uma expectativa tranquila, mesmo porque não vai ser fácil alcançar o sucesso do livro anterior, que já vendeu 40 mil exemplares e deve virar peça de teatro e filme.

Na verdade, o fato de ter conseguido escrever um romance em meio à quantidade acachapante de compromissos que assumiu por causa de O Filho Eterno é, sozinho, uma proeza notável. Foram pelo menos 30 viagens para mais de uma dezena de cidades brasileiras – mais as idas à Austrália, França e Espanha, três dos sete países que compraram os direitos de publicação.

Em Um Erro Emocional, Donetti é um escritor importante num período de crise. Seu casamento acabou e não consegue produzir nada satisfatório há tempo de mais. Ele vê na jovem Beatriz uma salvação possível, sentimental e profissional. Então tenta uma aproximação e espera que ela trabalhe com ele, embora não saiba exatamente fazendo o quê. Pouco importa. O romance começou como um conto parte de uma série de histórias breves protagonizada por Beatriz, que antes se chamava Alice e foi rebatizada. A primeira história da professora formada em Letras saiu na revista curitibana Arte e Letra: Estórias, em maio de 2008.

Cronista da Gazeta do Povo, publicado sempre às terças-feiras, Tezza adiou a coletânea de contos para investir no romance, que levou cerca de um ano para ficar pronto, somando os intervalos impostos por outros compromissos, mas as narrativas curtas estão nos seus planos futuros. Assim como um livro de não-ficção so bre o ato de escrever.

Uma coisa e outra

Um Erro Emocional é diferente de O Filho Eterno. A afirmação óbvia se justifica porque, no mercado editorial, os títulos que fazem sucesso geram uma infinidade de sequências e imitações. Não explorar um êxito editorial é inconcebível. Seria comum ter O Filho Eterno 2, ou talvez uma versão infantojuvenil, ou outra ilus trada.

No entanto, o autor sai de um livro em que tratou de um tema pessoal – a Síndrome de Down do filho, Felipe, hoje com 30 anos – para narrar a história de um amor desajeitado e pouco romântico. Um sentimento que no título da obra já aparece como “um erro”.

Teatro

O texto tem velocidade. Tezza cria frases longas e emenda o raciocínio dos personagens com o que é dito por eles. As cabeças vão longe e o leitor vai junto. Quando retornam ao que está se passando de fato, há sempre um choque.

O narrador paira sobre Donetti e Beatriz o tempo todo – às vezes, ele parece um dramaturgo dando as coordenadas do que ocorre em cena: “e a mão dele pousou sobre a dela perdida na mesa, sem invasão, um toque inocente, apenas um pedido de que ela não saísse dali”.

O ritmo de leitura é capaz de reproduzir a sensação desnorteante de estar diante de alguém que você deseja (no caso dele) ou admira muito (no dela). Os personagens estão desconcertados demais para saber o que fazer, mas seguem com o teatro.

Serviço: Um Erro Emocional, de Cristovão Tezza. Record, 192 págs., R$ 34,90.


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