CADERNO DE IDÉIAS - TRAVESSA DOS EDITORES
Nº 3, setembro de 2003 (pp. 68-77)

CURITIBA ESTÁ INTEIRA NO QUE ESCREVO
entrevista com Cristovão Tezza

Marcio Renato dos Santos


Estabelecer um diálogo com Cristovão Tezza significa, entre outras coisas, abrir espaço para pontos de vista inusitados, bem fundamentados e distantes do lugar-comum. Seja por meio de uma entrevista, como esta que ele concedeu como exclusividade para o Caderno de Idéias, ou ainda pelas páginas de uma de suas obras. Tezza escreveu um livro de contos, A cidade inventada, mas é reconhecido como romancista. Publicou 10 narrativas longas, tendo recebido o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional, pelo seu mais recente romance, Breve espaço entre cor e sombra. Atualmente, ele está escrevendo O fotógrafo, sua próxima narrativa de fôlego. A editora Rocco está republicando seus títulos e acaba de disponibilizar o ensaio Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo.

No bate-papo que segue abaixo, o tema central é a produção cultural paranaense. Houve espaço tanto para a prosa quanto para a poesia, mercado editorial em geral, e a vida em Curitiba, em particular. Afinal, apesar de ter nascido em Lages (SC), mudou-se para a capital paranaense aos oito anos. "Sou de fato um desenraizado, o que também me define como curitibano, uma cidade de estrangeiros. Mas, independentemente disso, vamos ao que importa: a minha literatura é uma literatura curitibana da primeira à última linha - a cidade está inteira no que escrevo. Trapo, Juliano Pavollini, Uma noite em Curitiba etc., em todos os meus romances a cidade transborda".

O que se produz culturalmente no Paraná atualmente, e dentro do que se produz, há algo que tenha características daqui? Mesmo que fiquemos no terreno da literatura: a literatura feita aqui tem algo que a faz única, diferente do que é feito no restante do país?

Sobre as outras áreas artísticas, não sei dizer. Quanto à literatura produzida aqui, acho que ela se insere numa tradição brasileira bastante nítida, se tomamos Dalton Trevisan como referência na prosa e Paulo Leminski como referência na poesia, para ficar nos nossos nomes mais conhecidos. Paulo Leminski representava até a alma o espírito poético brasileiro dos anos 70 e 80, na teoria e na prática; e Dalton Trevisan é um dos momentos maiores de uma tradição realista, ou mesmo naturalista, que é muito forte na literatura brasileira, desde o sargento de milícias que já aprontava no século XIX, com o seu misto de senso de realidade e senso de humor, passando depois pelos naturalistas, atentos a tudo que é sórdido, biológico, animal, na vida humana. Assim, não somos "únicos" - Curitiba é brasileiríssima. Há um certo folclore por esse olhar daltoniano para a província, que ele explora com maestria. Mas veja: Curitiba, como tema, está completamente ausente da poética de Leminski. Não somos diferentes. Somos apenas poucos, o que, pensando bem,é uma vantagem. Se você considerar autores como o Manoel Carlos Karam e Valêncio Xavier, cada um a seu modo se insere, com destaque e avant la lettre, na linguagem experimental de muitos autores da nova geração. Talvez o nome mais enraizadamente curitibano, o nosso "arquétipo literário", seja mesmo o do Jamil Snege, a síntese do que temos de mais representativo, como linguagem, e de atitude, como escritor.

A melhor saída para um escritor seria buscar uma editora fora do Estado?

Acho que há dois momentos a considerar. Posso falar com certa experiência, porque percorri todo o "serviço militar" de quase todo mundo que escreve fora do eixo Rio-São Paulo (e mesmo lá). Comecei editando aqui, pela CooEditora, que era uma cooperativa de escritores, sempre uma solução interessante, quando há um grupo de escritores com um projeto comum. Depois, participei da fundação da Criar Edições, com o Roberto Gomes, editando lá O Terrorista Lírico e O ensaio da paixão, este em co-edição com a Fundação Catarinense de Cultura. Depois passei a editar nacionalmente, passando pela Brasiliense, Record e agora na Rocco, que está reeditando os meus livros. Da minha fase de edição local, me ressenti sempre de uma falta de ressonância, até por culpa minha, já que sempre fui um escritor bastante solitário, mas hoje a situação mudou bastante. Editoras como a Criar, do Roberto Gomes, e a Travessa dos Editores, do Fábio Campana, têm publicado regularmente obras de qualidade.
Agora, ser publicado aqui ou fora daqui depende também da opção que se faz. Jamil Snege foi um dos nossos maiores escritores e nunca quis - por escolha dele, pessoal, intransferível - ser editado fora daqui. No meu caso, fiz a opção inversa - num momento da minha vida, anos atrás, decidi que ou publicava fora daqui, ou em lugar nenhum. Cheguei a ter quatro livros inéditos na gaveta. Por acaso, deu certo - mas eu bem poderia continuar com uma dúzia de inéditos guardados em casa. Nada disso tem relação com qualidade, é óbvio; mas tem com a ressonância do que você escreve. Editar em Curitiba era penoso para quem quisesse ser lido no Brasil. Felizmente hoje nós temos um grande número de editoras pelo país afora, segmentadas em diferentes linhas e projetos, todas bastante profissionalizadas. O problema hoje não é mais editar (a rigor, nunca foi tão fácil publicar um livro como agora), mas colocar o livro na livraria, que é o ponto de estrangulamento da produção literária brasileira. Há pouquíssimas livrarias e bibliotecas no país.

Por que até hoje nenhuma editora vingou no nosso Estado?

Em grande escala, isso é verdade - não temos grandes editoras aqui. Mas temos como eu disse editoras pequenas de boa qualidade, com um perfil editorial nítido - o caso da Criar e da Travessa dos Editores. Não sei exatamente por que a gente atrai mais montadoras de automóveis do que editoras... Num certo sentido, isso é uma questão mais propriamente comercial do que cultural, ainda que o livro seja um produto bastante peculiar. Eu poderia perguntar também por que é mais fácil encontrar um livro meu no aeroporto de Salvador, do Rio ou de Fortaleza do que no aeroporto de Curitiba, onde jamais os encontrei.

Como definir a malha literária paranaense? Há algo permeando?

Em Curitiba, acho que há um fio temático, ou uma espécie de olhar, que cria um parentesco entre Newton Sampaio, Dalton Trevisan e Jamil Snege, por exemplo - e acho que esse olhar influenciou, por exemplo, a minha literatura. É uma espécie de atmosfera que vem mais da cidade do que dos livros propriamente. São pequenos detalhes de uma cabeça urbana ainda com nostalgia das galinhas no quintal, uma certa auto-suficiência orgulhosa e provinciana, a timidez cotidiana e o seu oposto, quando explode, uma extroversão meio fora de foco, que tanto destrói ônibus nos atletibas quanto lincha poetas em primeira página. Há um certo "espírito punitivo" que está na nossa alma, quem sabe resíduo de um catolicismo camponês, arqui-conservador, que nos encheu de culpa. Daí um certo impulso para a obediência formal, um gosto pela regra, um amor pela fila. Tudo isso é curitibano, mas nada disso está fora do Brasil, como disse há pouco. E o trauma da passagem das galinhas do quintal para os assaltantes do tráfico é o mesmo no país inteiro.

O escritor paranaense tem leitor paranaense?

Sim, com certeza. Lembro de que anos atrás, em Porto Alegre, vi um plástico colado num carro que me chamou a atenção: "Escritor Gaúcho - eu leio!" No mesmo instante imaginei (bem à maneira curitibana, aliás), um plástico equivalente aqui: "Escritor paranaense - Arghh!" Claro, o Rio Grande do Sul tem uma dose elevada, historicamente, de auto-estima; mas esse tipo de auto-valoração se encontra também, muito forte, em Santa Catarina, Bahia, etc. Pensando bem, nós é que somos a exceção - esse nosso "espírito punitivo" não nos permite a alegria bairrista. É preciso que o sujeito passe pela via sacra, carregue a cruz, leve chibatadas, descubra na carne que a vida não é festa, para só então ser festejado. Claro, estou brincando um pouco com essa imagem, mas acho que ela tem um fundo verdadeiro. E você acaba se adaptando a essa exigência - sinto que, ao longo do meu trabalho, por anos a fio, consegui desvincular o que escrevo do desejo de resposta. Isso sempre me deixou em paz. Agora, depois que enfim o seu trabalho aparece, aparece também a generosidade dos leitores - e subitamente passei a descobrir que eu tinha aqui muito mais leitores do que imaginava. Uma vez encontrei um leitor andando na calçada lendo o Breve espaço entre cor e sombra. Outra vez, num ônibus, alguém lia espremido um exemplar surrado do Trapo. Meu romance Juliano Pavollini mereceu certa vez ataques virulentos de alguém indignado com aquela "pornografia" (por incrível que pareça!), adotada por um grupo de professores - e é talvez um dos meus livros mais comentados, carinhosamente, pelos leitores. Enfim, nos últimos anos descobri que tenho mesmo leitores de carne e osso aqui na minha cidade mesmo, o que é sempre um conforto...

Há uma renovação na prosa paranaense? Quem são os novos prosadores, ou mesmo poetas?

Infelizmente eu não tenho acompanhado a produção literária local (e mesmo a brasileira) como gostaria. Meu tempo está ficando desesperadamente curto - já não tenho aquela energia de anos atrás que me permitia fazer tudo ao mesmo tempo. Passei agora praticamente cinco anos lendo e produzindo teoria, o Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo, que acabou de sair, e isso me deixou por um bom tempo fora da produção contemporânea imediata. Na poesia, sinto que há uma grande efervescência, aliás tradicional na cidade - Curitiba sempre teve, digamos, centros de agitação poética. Na prosa, os nomes que me ocorrem são os mesmos que acompanhei desde a minha formação, como o Jamil, Karam, Valêncio, Wilson Bueno, Roberto Gomes. Certamente deve haver muita gente nova.

O Estado deve subsidiar as atividades artísticas? As leis de incentivo são necessárias para que artistas viabilizem suas produções?

Em algumas áreas da cultura é necessária alguma intervenção do Estado, como o teatro, o cinema, a música erudita, a dança. São atividades que, no mundo inteiro (à exceção talvez dos Estados Unidos), não conseguem sobreviver sem algum grau de ajuda oficial. E são projetos "estratégicos", digamos assim, de defesa de uma presença cultural forte, o que se vê na Europa em geral. Sei que esse é um terreno pantanoso que pode facilmente virar uma porta aberta para as curriolas, a incompetência ou a simples corrupção. Mas é importante que haja alguma política em defesa dessas áreas, se é que a gente quer que elas sobrevivam. É uma questão de escolha política. Já na literatura, a questão é mais (na verdade, menos) complicada. A produção é baratíssima e solitária: uma esferográfica e papel (no meu caso, paleolítico, que escrevo à mão). Para publicar: há hoje editoras no Brasil para praticamente todas as faixas de produção literária, para todos os gêneros e segmentos. E as editoras estão cada vez mais profissionais. O correio é o melhor amigo do escritor. Nesse sentido, acho que a atividade editorial promovida pelo Estado tem de ser bastante específica, até para não ocupar um espaço que as editoras comerciais ocupam com muito mais competência. Acho que as editoras universitárias, ou as imprensas oficiais em geral, por exemplo, têm uma grande importância na publicação de obras de ciência ou, por exemplo, ensaios, que, importantes como documentação histórica, não teriam espaço nas editoras privadas. Podem igualmente dar vazão a uma produção acadêmica de público mais restrito mas não por isso menos importante. O grande investimento que os estados podem fazer em defesa da literatura está de fato na outra ponta, na formação de leitores, nos programas de estímulo à leitura, no aparelhamento e ampliação das bibliotecas públicas, nas políticas de ensino e divulgação da literatura, etc. Isto é, há uma massa imensa de leitores potenciais surgindo todos os anos - é preciso que o livro chegue até eles. O escritor precisa de leitores.

Podemos levar a sério a idéia de que Curitiba seria uma cidade teste, por exemplo, para espetáculos, ou seja: o que o público curitibano aprovar o resto do Brasil também vai aplaudir, ou o curitibano aplaude tudo que é de fora e vaia tudo que é feito aqui?

Parece que essa idéia nasceu com os publicitários: ouvi muitas vezes de publicitários que se costuma fazer lançamento de produtos novos em Curitiba, como teste. Se dá certo aqui, diziam eles, daria certo no Brasil. Isso porque o público daqui seria "resistente" às novidades. Talvez comercialmente seja verdade. No teatro, com certeza não - o curitibano parece que sente uma compulsão por aplaudir espetáculos de pé. Todas as peças a que assisti nos últimos cinco anos mereceram aplausos de pé. Talvez as peças fossem realmente excepcionais, mas talvez estejamos apenas barateando o elogio. Bem, e eu estou sendo um autêntico curitibano nesse momento!

Atribui-se a Tolstói a frase célebre: canta a tua aldeia e serás universal. Mas hoje, em um mundo globalizado e padronizado, haveria possibilidades de se mostrar algo peculiar de uma determinada região? Tudo não estaria muito parecido, sobretudo nas metrópoles?

Uma das questões mais complicadas da literatura é a própria noção de "regionalismo". A questão da globalização e da padronização é, na verdade, bastante antiga - uma forma nova da velha dicotomia entre o mundo urbano e o mundo rural, como "modos de ver o mundo". A defesa "regionalista", na literatura, tem sido historicamente uma afirmação ideológica vinculada a valores supostamente autênticos, verdadeiros, em contraposição à "corrupção" das cidades. Pode ser também a afirmação política do "nacional" contra a invasão dos "estrangeiros". Tudo isso é velhíssimo. A grande literatura sempre foi um fenômeno "globalizado"; sempre teve a ambição da universalidade. Mas, como todo produto da cultura, ela surge em algum lugar da geografia, da história, do tempo - e, é claro, carrega as marcas de seu espaço. As classes médias são, digamos, "globalizadas" - um cidadão curitibano de classe média tem muitas semelhanças com um cidadão madrilenho de classe média. A diferença é que o curitibano (ou o brasileiro) não pode sentar-se numa praça pública à noite. Aqui não há o Museu do Prado. E o Ronaldinho não joga no Atlético Paranaense, o que seria ideal. Tudo isso faz muita diferença - para falar a verdade, faz mais diferença que semelhança.

É a autofagia a maior marca do curitibano, do paranaense? Isto corrobora a idéia do Jamil de que para tornar-se invisível em Curitiba a melhor maneira é ter talento, talento genuíno?

A autofagia é a nossa marca folclórica, por assim dizer. Já é praticamente nosso produto de exportação! Falo por Curitiba. O Paraná é grande demais, há regiões bastante diferenciadas e seria uma temeridade colocar um denominador comum sem um bom método para sustentar a argumentação. Basta descer ao litoral e encontramos um astral diferente. O norte do estado tem outras peculiaridades, que por sua vez diferem do oeste, e assim por diante. No caso de Curitiba, nossa marca é invisível. É um jeitão de ser, bastante complexo, mas que todo curitibano domina bem. É uma marca tão forte que quem quer que desembarque aqui, em pouco tempo já se transforma num curitibano da gema e não visita mais ninguém sem telefonar antes.

O que você destaca dentro da produção cultural do Paraná?

É uma pergunta bastante ampla, e não tenho condições de responder exatamente. Há casos excepcionais, como a Denise Stoklos, por exemplo, uma referência mundial do teatro alternativo - e de alma iniludivelmente paranaense. Em geral, acho que a literatura tem um destaque excepcional entre nós, a partir de presenças fortes como o Dalton e o Leminski, por exemplo - para citar os que deram uma visibilidade nacional à nossa produção. E é surpreendente porque somos, de fato, um estado novíssimo. Nossa literatura nasceu, quase que literalmente, ontem. Parece que o "coroamento" oficial de Emiliano Perneta como o príncipe dos poetas paranaenses, no início do século XX, um espetáculo do pior kitsch provinciano que até hoje deixou seqüelas, deu o mote crítico do que temos de melhor: a impiedade do olhar. Não só como marca dos escritores, mas também pela presença fortíssima da crítica, como Wilson Martins, nosso clássico, e do Miguel Sanches, da nova geração. Quem sabe nosso gosto pela crítica, até o limite da autofagia, revele o temor de que o fantasma do Emiliano ressurja por aí nos assombrando com o horror da literatura oficial. Aliás, o traço oficial do Paraná deve ser lembrado - o próprio projeto de estado que deu nascimento ao Paraná veio de cima para baixo; e a criação da universidade tinha esse componente forte de "defesa do paranismo" e de busca da identidade regional. É claro que tudo isso deixou traços que nos definem.

Há a Curitiba de Newton Sampaio, a Curitiba de Jamil Snege, a Curitiba de Dalton Trevisan, a Curitiba de Cristovão Tezza, enfim: uma cidade literária sendo produzida por meio de uma ficção. Nossa história parece rala, mas temos uma ficção criando um Estado imaginário. Há razões para isso?

Certamente que sim - mas descobri-las é tarefa de especialistas. Eu diria que a cidade de Curitiba é introvertida. O curitibano gosta de ficar em casa. E cabeça solitária gosta de escrever. Veja os diários de Temístocles Linhares: milhares de páginas! Da confissão para a ficção, o passo é curto. Súbito, vemo-nos escrevendo a cidade que fala pouco. Cada um tem a sua, é claro, mas os fantasmas daqui são comuns a todos, daí uma certa idéia de "família literária", sutil, que vai passando de escritor a escritor.

Curitiba tem tradição de gerar produções culturais com repercussão nacional, como Joaquim, Nicolau, Rascunho, Et Cetera. Há como explicar por quê?

Quem sabe seja o impulso de criar um espaço alternativo, por conta própria, uma vez que os veículos da imprensa nunca deram espaço, ou nunca deram espaço suficiente. Talvez seja isso mesmo. Para quem escrevia aqui, nas últimas décadas, São Paulo é muito longe, Porto Alegre também é muito longe, não há intercâmbio com Santa Catarina, e os jornais locais, tradicionalmente, não abrem espaços literários. E costumavam ser profundamente conservadores. Além disso, e isso é outro traço local, Curitiba tem uma tradição gráfica respeitável. Nossos suplementos sempre primam também pelo apuro gráfico, numa estética que, às vezes, se confunde com a estética publicitária.

Curitiba atrai gente de fora e artista de fora. Você veio para cá muito pequeno, outros autores catarinenses moram aqui. Mas a cidade atraiu o Wilson Martins, o Décio Pignatari, o José Castello e outros tantos já anunciaram desejo de aqui viver. O que tanto atrai as pessoas?

Bem, a imagem de Curitiba, fora daqui, é extraordinária. Há um certo imaginário brasileiro que encontrou em Curitiba a sua utopia urbana. É interessante, porque essa imagem é muito recente; foi de fato uma criação dos últimos 30 ou 40 anos, fundamentada tanto pelo projeto urbano (e nesse aspecto tivemos bastante sorte) como pelo projeto publicitário, sempre atento a criar a "marca". Isso foi um trabalho de gênio, porque Curitiba, no início dos anos 60, não tinha perfil algum - lembro, ainda criança, de ouvir que Curitiba era a "cidade sorriso", um clássico exemplo de slogan fracassado, porque basicamente mentiroso. Há pouco tempo, uma campanha de educação de trânsito foi muito eficiente, e chamava o curitibano infrator de "anta", "tatu", etc. Claro que muita coisa deu certo no projeto Lerner, digamos assim, porque a população curitibana tinha o perfil exato, do ponto de vista de temperamento, de cultura, de "jeitão" mesmo, para aderir ao planejamento proposto - foi a faca com o queijo. Nós gostamos de fazer fila e respeitá-la - esse é um capital cultural importantíssimo. Ao mesmo tempo, a construção da nova Curitiba sofreu também a polarização da época militar - eticamente, sempre foi muito difícil para a minha geração aceitar qualquer coisa que representasse a ditadura, e os governos Lerner tinham esse estigma histórico. O que, de certa forma, abriu mais ainda o fosso entre a "cidade oficial" e os cidadãos, essa nossa resistência instintiva aos mecanismos do poder.
Mas voltando ao tema: o fato é que cidades como São Paulo e Rio, pelo gigantismo desvairado, estão ficando cada vez mais inabitáveis. É a questão da escala, da perda de tempo cotidiana indo de um lugar ao outro, do desconforto, de tudo. Ao mesmo tempo, são metrópoles, que oferecem alta qualidade de vida do ponto de vista cultural. Mas muitas pessoas estão preferindo vir para cá, que é uma cidade próxima dos grandes centros e permite, ainda, algum conforto. Não é aquela utopia publicitária, é óbvio, porque isso é Brasil, mas pela escala menor, nos dá tempo. E para quem escreve, acho que não há cidade melhor no país.

Você já se considera curitibano?

É uma questão engraçada. Cheguei aqui acho que em janeiro de 1961, com oito anos de idade. Obviamente sou um curitibano integral, com essa discreta vantagem (se é que é vantagem) de ter um pé fora, de ter de certa forma uma perspectiva de fora, mesmo que de infância, o que sempre me deu a idéia de "exílio". Sou de fato um desenraizado, o que também me define como curitibano, uma cidade de estrangeiros. Mas, independemente disso, vamos ao que importa: a minha literatura é uma literatura curitibana da primeira à última linha - a cidade está inteira no que escrevo. Trapo, Juliano Pavollini, Uma noite em Curitiba, etc., em todos os meus romances a cidade transborda. De modo que, mesmo nascido em Lages, sou um escritor curitibano.
Mas sou também catarinense, e aqui é interessante observar a questão do bairrismo. Sou também muito bem tratado, carinhosamente tratado em Santa Catarina, como um escritor catarinense, o que eles valorizam muito. De modo que, brasileiro integral, tenho dupla nacionalidade...

Algum novo romance, agora que acaba de sair a sua tese?

Sim, comecei ainda timidamente um novo romance, que tem o título provisório de "O fotógrafo". É um modo também de sair da teoria e voltar ao chão - estou sentindo falta. E a geografia de Curitiba voltou inteira ao meu texto. Vai demorar. Se eu tiver tempo e sorte, o livro fica pronto em meados de 2004.



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