GAZETA DO POVO
Caderno G
Curitiba, 25 de maio de 2003



Editora Rocco relança parte da obra de Cristovão Tezza

Prosador por tradição

Escritor fala sobre seus novos projetos e o mercado editorial brasileiro

Luís Henrique Pellanda


Parte da obra do escritor catarinense Cristovão Tezza, há décadas autodeclarado curitibano, vem sendo relançada pela Editora Rocco. Já foram reeditados os romances Ensaio da Paixão (1982), Trapo (1988), Juliano Pavollini (1989) e A Suavidade do Vento (1991). E, no ano que vem, O Fantasma da Infância, publicado em 93, deve voltar às livrarias brasileiras. Livros anteriores a esses dificilmente ganharão novas edições. Tezza acredita que sua literatura só teria realmente começado a partir de Ensaio... Mas não renega o que produziu no início da carreira. Gran Circo das Américas (1979), A Cidade Inventada (1980) e O Terrorista Lírico (1981) "faziam sentido" quando foram lançados. O autor também adianta que não reeditaria seus contos: "Eu gostaria de reescrevê-los. Mas não sou, na verdade, um contista."

Tezza permaneceu afastado da ficção durante os últimos cinco anos. Esteve trabalhando em sua tese de doutorado Entre a Prosa e a Poesia: Bakhtin e o Formalismo Russo, que deverá ser lançada pela Rocco no mês de julho, na UFPR, durante um congresso internacional sobre o pensamento do teórico russo. Desde agosto do ano passado, porém, Cristóvão trabalha em um novo romance, provisoriamente intitulado O Fotógrafo. "Mas não é um livro sobre um artista. O personagem é um fotógrafo profissional", diz, revelando apenas que a geografia da obra ainda em composição será essencialmente curitibana.

O momento, portanto, é excelente para Tezza que, mesmo mantendo uma coerente postura crítica em relação ao mercado editorial nacional, dá sinais de que espera e efetivamente acredita em sua melhora. Uma das maiores pistas desse desenvolvimento recente estaria vindo, inclusive, do exterior. A editora espanhola Planeta, por exemplo, recém-chegada ao Brasil, anunciou que pretende implantar por aqui um projeto em favor da contratação de jovens escritores, já "revelados" ou não. Mas iniciativas como essa, é claro, não resolvem problemas maiores e mais complexos. "No Brasil, parece que há mais editoras do que pontos de venda", diz Tezza. "E temos ainda um mercado de milhões de leitores a conquistar." Por outro lado, para agradar ao gosto de tantos consumidores em potencial, parecem existir, pela óptica da política livreira, somente quatro autores capacitados: Paulo Coelho, Luis Fernando Veríssimo, Rubem Fonseca e Carlos Heitor Cony.

"Em todo caso, a editoração dos livros e o tratamento concedido aos escritores melhoraram muito dos anos 80 para cá", diz Tezza. "As editoras estão muito mais profissionais e já se percebe o surgimento de um público sólido de literatura brasileira. Até a poesia, que antes era considerada a maldição dos editores, já tem o seu público." À produção literária nacional, no entanto, ainda estaria reservada a periferia das livrarias. "De dez livros expostos, oito são estrageiros", conta. O que não seria um absurdo despropositado. "Nossa literatura não é 'perseguida'. Não possuímos uma legião de gênios universais que, devido a alguma injustiça, não é reconhecida. Não temos tantos nomes assim, não devemos no iludir." Mas, para Tezza, é absolutamente notável o fato de que a literatura brasileira atual ocupa um espaço muito mais nobre do que, por exemplo, ocupava nos anos 50, a chamada época dos "grandes autores". "A comercialização de suas obras era primária, amadora. Ninguém ganhava nada com o que escrevia. Então, a literatura era aquela coisa diletante, aquela coisa da palavra ornamental."

Internacionalmente, o Brasil também estaria vivendo um momento inédito. Nada muito evidente ou glorioso, porém. Apenas novo. "Estamos saindo do estereótipo de um Brasil rural e caminhando para o de um Brasil urbano. Mais do que os personagens de Jorge Amado, os criminosos de Rubem Fonseca têm chamado a atenção dos leitores estrangeiros," diz Tezza. "Assim, a nossa literatura acaba ganhando outra dimensão."

Sobre o interesse das editoras brasileiras pela produção literária curitibana, Tezza dá a opinião de quem acabou de voltar do Rio de Janeiro, onde esteve para acompanhar de perto a 11.ª Bienal Internacional do Livro. "Sou um curitibano enterrado até o pescoço" brinca. "Para mim, a Bienal é uma festa. De lá, posso ver minha cidade de longe." E a imagem que o Brasil faz da capital paranaense, segundo o escritor, é positiva, "corresponda ela à realidade ou não". Da segurança pública ao transporte coletivo, acredita-se que Curitiba seja uma cidade modelar, um "sonho para o Brasil". Isso se confundiria com a qualidade de sua produção cultural. "Um lugar que produziu Dalton Trevisan, um dos maiores contistas do século 20, obviamente é considerado uma cidade que tem potencial", diz. "Mas o Paraná ainda é um estado muito novo. Curitiba tem 300 anos apenas no papel. Não é um mercado de produção de livros, e nem sei como anda o consumo deles por aqui. Acredito que não represente muita coisa perto do que se consome em São Paulo ou no Rio."

Uma "certa timidez", típica do habitante de Curitiba, seria um dos motivos pelos quais a literatura paranaense ainda não teria se espalhado pelo país com maior eficácia. "Eu sempre penso no Jamil Snege (morto recentemente), uma figura importante da minha juventude. Um grande escritor que optou por Curitiba." Com isso, Tezza quer dizer que Snege sempre preferiu editar sozinho seus próprios livros, abrindo mão da infra-estrututra das grandes editoras em detrimento de uma divulgação mais ampla de seu trabalho. "Jamil é um bom exemplo. É um símbolo da produção de Curitiba." Quanto ao debate literário por aqui, mudanças interessantes teriam acontecido nos últimos anos. Sobre o jornal Rascunho, Tezza lembra que, na época de seu lançamento, representava uma "grande esperança para o Brasil inteiro". Mas não se interessa pelo teor das polêmicas que a publicação vem promovendo. Com elas, chega a se divertir: "Sempre tive medo da extroversão do curitibano. O curitibano extrovertido, às vezes, vira um maluco total. Mas acho legal que exista esse espaço para se discutir crítica literária no Brasil."

Integrar-se a uma comunidade de literatos, porém, não lhe é muito atraente. "Sou um lobo solitário", revela. "E não se vêem, geralmente, tribos de prosadores. Os poetas brigam mais, são mais gregários. Existem corporações poéticas. Entre os prosadores é cada um por si." Tezza gosta de pensar que essa tradição de solitude teria algo a ver com Curitiba. "Isso de pedir pizza pelo telefone. Eu adoro."



voltar