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Receita de escritor
Caetano Galindo
Há certamente mais de uma receita de se fazer um escritor. Mas a
lista de ingredientes que resultou em Cristovão Tezza é de uma exemplaridade
impressionante. Quer ver?
Espera-se o que de um romancista? Que ele seja um homem experimentado,
com uma certa sede de conhecer o mundo, as coisas do mundo, e as
pessoas que as fazem. Poderia ser uma boa resposta.
Pois bem, Cristovão, nascido em Lages, Santa Catarina, e ainda criança
radicado em Curitiba, protelou em vários anos sua entrada na universidade
(aonde só chegaria aos 25) simplesmente por ter decidido que, adolescente,
tinha de ver o mundo. Tinha de entrar na marinha mercante, sair
dela, acabar em Portugal, passar a viver na Alemanha, mochilar pela
Europa. E não foi o fato de voltar ao Brasil que sossegou o andarilho:
casado, foi morar no Acre e depois de formado em Letras pela Universidade
Federal do Paraná (onde foi recebido por um de seus antigos professores
no prestigioso Colégio Estadual do Paraná com gritos de "Ulisses
voltou!") ele voltou para perto do mar, como professor da Universidade
Federal de Santa Catarina. Foi só no final dos anos oitenta que
ele, sua penélope Elisabeth e seus filhos Felipe e Ana se acomodaram
(de vez?) em Curitiba, quando ele passou a ser professor no curso
de Letras da Federal do Paraná.
Tudo isso já seria experiência bastante para um senhor que, hoje,
mal acaba de passar dos cinqüenta anos (Cristovão nasceu em 1952).
Mas isso não há de bastar. É preciso um genuíno envolvimento com
a arte e com as várias formas da literatura que, freqüentemente,
servem de laboratório para os romancistas, não é?
Olha só: esse lado esteve também presente na vida de Cristovão,
especialmente a partir de seu convívio com a comunidade de W. Rio
Apa, em Antonina, onde o adolescente Cristovão Tezza pôde conhecer
o mundo teatral a fundo e o mundo literário à larga. Para esse menino
que desde os treze anos já tinha um livro de poemas no bolso (hoje
perdido), essa experiência foi o detonador de seu envolvimento efetivo
com a literatura. E ele escreveu novos poemas (alguns depois atribuídos
ao personagem Trapo), peças de teatro (representadas inclusive no
grande Teatro Guaíra da capital paranaense), folhetins de circulação
restrita, contos e, logo depois, um primeiro romance, O Papagaio
que Morreu de Câncer.
Muita experiência de vida, muita leitura, amor e dedicação à arte.
Falta alguma coisa? Falta. A artesania, o cuidado e o esforço aplicado
que diferenciam de nós o grande escritor. Ora, esse mesmo hippie,
nauta, estradeiro e homem de família já foi relojoeiro! Além disso,
ele é um belo artista gráfico (acima da média dos amadores), um
fotógrafo cada vez mais competente, um amante de música, um carpinteiro
e cozinheiro, dono do melhor arroz branco destas plagas!
Com tudo isso, só faltava ensinar o padre a rezar missa. Coisa que
ele pode não ter feito, mas que seu trabalho teórico na academia
hoje vem tendendo cada vez mais a uma tentativa de ao menos explicar
aos padres em geral os mecanismos de funcionamento dessas missas
seculares que cultuamos, isso lá tem. Pois ao artesão, ao observador
com alma de artista, veio se somar recentemente o teórico do romance.
Não sei se já de fato uma receita de se fazer um escritor, mas a
lista de ingredientes que gerou este nosso exemplar parecia fadada
a criar o belo prosador que conhecemos e de quem agora, com maturidade
e tranqüilidade ambas a seu favor, podemos apenas pedir mais.
Caetano Galindo é professor de lingüística românica
na UFPR e doutorando em lingüística na USP.
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