O fluminense
Publicado em 19/08/2014



Inteligente olhar de um mestre

Premiado escritor brasileiro Cristovão Tezza volta ao romance em grande estilo, com ‘O professor’

Roberto Santos

O autor, hoje considerado um grande e premiado escritor brasileiro, volta ao romance para focalizar o inteligente olhar de um mestre. Como ele mesmo afirma no livro O Espírito da Prosa, aqui analisado, “escrever é prestar atenção aos outros”. É o que faz o catedrático de filologia românica Heliseu da Motta e Silva, já com 70 anos, viúvo e solitário, no seu dia a dia, aparentemente simples. Mas não se iluda o leitor — Heliseu, apesar do ranço de um nome com sabor de antiguidade, vive de modo muito atento e é profundo conhecedor da língua portuguesa. Tanto que vai ser premiado por uma carreira exemplar, recebendo a Medalha de Ouro do Mérito Acadêmico e uma placa alusiva aos feitos do seu brilhante magistério. Ele reflete e pensa: “o envelhecimento nos seca (...) vamos nos encolhendo, o orgulho desaba, a pretensão esfarela-se(...)”.

Além de experiência, o professor Heliseu tem um caminho existencial com marcantes acontecimentos: a mãe morta, possivelmente assassinada pelo pai, o casamento malsucedido com Mônica — funcionária de um banco —, o nascimento de um filho — Dudu — que se tornou gay e foi morar com o namorado no exterior, a hostilidade de colegas invejosos e incompetentes, a paixão desenfreada por Therèze, sua orientanda, e sempre um grande interesse pela origem do português medieval, acreditando que “só as palavras seduzem”. 

Tezza conduz a narrativa, com raro domínio, acima das tertúlias e chatices universitárias, destacando as atividades de Heliseu, permanentemente atento às quedas das consoantes intervocálicas — “como o triunfo da doçura das vogais sobre a brutalidade das consoantes, que foi à deriva lusitana”, além de um caminhada timbrada por observações históricas e políticas, com momentos nacionais e internacionais dignos de nota — o fim da ditadura, O Plano Cruzado, o apedrejamento de Sarney, a inflação, as greves universitárias, o golpe de Fujimoi no Peru, o confisco da poupança no governo Collor em 1990, e, até, a crítica pela “barbárie lexical” de D. Dilma que escolheu ser presidenta, e mais “um bloco de anacolutos”, com a cabeça do “pior governo brasileiro dos últimos 30 anos”. 

Tezza sabe tecer análises e reflexões que levam o leitor a pensar conscientemente sobre rumos e quedas na gestão do país. O mestre Heliseu não é um ancião ultrapassado e apático, pois fuma maconha com sua orientanda — com ela teve um tórrido envolvimento amoroso, e até pode ser pai de uma criança —, torna-se suspeito de ser responsável pela morte da sua mulher, vive em constante conflito com o filho homossexual.  

Tudo corre ao sabor da pena de uma literatura realista, antinaturalista e precisa, unindo fios de vida viva, mesmo com a visível senilidade do professor Heliseu, que busca, palmo a palmo, o sentido da vida e afirma que “o diminutivo no português do Brasil tem uma função amortecedora de conflitos, criando imediatamente um subtexto afetivo (...)”. 

Apesar de tantos problemas, Heliseu acha que “as aulas ainda nos preenchem (...) aqueles alunos todos prestando atenção”. E, ainda, o destaque para o caso do “não-dito brasileiro”, que nunca é irônico, mas “uma válvula de escape permanente(...)”.

Tezza, com O professor, encarna a lição proposta por Pope: “deve-se ensinar aos homens como não se estivesse ensinando”. 

Um livro para ser lido e relido.

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