Olá.
Uma notícia de 2008 havia passado despercebida por mim: a dos diversos prêmios literários que o escritor catarinense radicado em Curitiba, Cristovão Tezza, faturou com seu livro O Filho Eterno,que trata da convivência de um escritor com seu filho com Síndrome de Down - o romance é semi-autobiográfico, pois Tezza realmente tem um filho com Síndrome de Down, segundo li.
No entanto, hoje vou falar de outro livro de Cristovão Tezza. É um livro que há muito saiu de catálogo, nunca mais foi republicado, portanto é mais difícil de se encontrar nas livrarias - e mesmo em sebos. Trata-se de GRAN CIRCO DAS AMÉRICAS, obra publicada em 1979 pela Editora Brasiliense, dentro da série Jovens do Mundo Todo.
Eu já havia lido essse romance - pela metade - na minha juventude, no colégio. Mas aí, pintou a oportunidade, e comprei o livro e o li na íntegra. Quando o reli, me decepcionei: quando li-o pela primeira vez, tinha achado a obra muito boa. Agora não. Mesmo assim, é um livro admirável.
A história é forte. Trata-se da história de Juliano, um rapaz de boa família, que decide, aparentemente sem motivo algum, juntar-se a um circo mambembe que chegou na sua cidade, como palhaço. Uma decisão que causa dúvida: foi uma decisão acertada ou não? Tudo leva a crer que foi errada, pois Juliano, que morava com um tio juiz, foi bem criado. E, querendo jogar tudo para o ar, certamente só teríamos motivos para chamá-lo de burro. Mas não: ao longo da obra, percebemos os motivos de Juliano querer se juntar ao "antro de marginais", aquele mundo à parte formado de gente simples, do povo, mas que se transforma ao pisar no picadeiro do circo.
E esses motivos incluem a insatisfação com a vida regalada que ele tinha. Ele não se dá bem com o tio, e não quer voltar atrás em suas decisões. É no meio dos "marginais" que ele vai fazer o próprio destino.
A trupe do circo é formada por: Érico, o chefe rústico; a velha Mami, quase cega, mas de grande sabedoria; o negro Pedrão, o atirador de facas; o sonhador Ami, o ator; a amante deste, a pérfida Soraia; a menina Aninha, a ginasta; Pepe, o bem-humorado faz-tudo; Tonho, o guarda-costas, deficiente mental; e Maria, a equilibrista, por quem Juliano se apaixona. Cada personagem é uma revelação.
O rapaz, o novo palhaço, passa por uma verdadeira prova de fogo dentro do circo, pois diversos acontecimentos trágicos querem fazer com que Juliano questione sua escolha: a insistência de seu tio para que volte para casa; a bebedeira de Ami após um desentendimento com Soraia; os artistas escorraçados em praça pública após resgatarem Ami do bar; um incêndio, que destrói o circo; e a descoberta de que um dos membros da trupe era usuário de drogas. A sociedade, assim, quer destruir o "antro de marginais", os quais Juliano defende com unhas e dentes, tanto em praça pública como na delegacia de polícia. E é bom reparar que o circo, neste caso, não é glamurizado, é um circo mambembe, decadente. Uma verdadeira novela social, onde o rolo compressor da sociedade se sobressai à tradicional magia do circo.
Tezza tece, ao longo da obra, um retrato de uma sociedade que quer definir o que é certo ou errado. Preconceito, conspirações, humilhação. Será mesmo que Juliano fez a escolha certa? Só lendo para dizer se sim ou não.
E notem: o livro, escrito em 1979, foi escrito no calor da hora, da Ditadura Militar. Portanto, a situação retratada no livro é bem encaixável com o contexto. Por essas e outras que GRAN CIRCO DAS AMÉRICAS merecia ser reeditado.
Quem conseguir encontrar um exemplar nos sebos, leia. É a luta de um mundo à parte contra uma sociedade mesquinha e desprezível que quer consumí-los.
E, para quebrar a seriedade do texto, uma ilustração humorística.