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JORNAL DO BRASIL - Idéias
Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1996
Um caso de amor com a cidade de Curitiba
André Seffrin
Cristovão Tezza nasceu em Lages, Santa Catarina, e já
viveu em Curitiba tempo suficiente para escrever 11 livros. Em
1994, na Série Paranaenses, volume 5, pequeno opúsculo
sobre sua vida e obra que a editora da Universidade Federal do
Paraná lhe dedicou, ele declarava: Curitiba tem a atmosfera
diferente, mas só consigo traduzi-la na ficção.
Posso dizer que devo muito das eventuais qualidades do que escrevo
a esse impalpável universo curitibano, que não se
mostra mas é muito forte - ele domina em pouco tempo qualquer
pessoa que venha viver aqui, por mais resistente que seja... Curiosamente,
é um mundo mais mental do que físico."
Esse "mundo muito mais mental do que físico"
parece oxigenar os planos em que se desenvolve Uma noite em Curitiba,
seu nono romance. Nele, o autor marca a sua passagem de Editora
Record para a Rocco, que manda para as livrarias também
a quinta edição (revista) de Trapo, publicado
originalmente pela Brasiliense, em 1988. O reconhecimento nacional
de sua obra, pelo menos por parte da crítica, pode-se dizer
que chegou com a publicação desse livro, apontado
como um salto qualitativo em sua ficção.
Coincidentemente, na concepção, e, em menor medida,
na execução e na tecnica narrativa, Uma noite
em Curitiba é uma retomada de Trapo, mesmo que
em outras perspectivas, e em tom bem mais sóbrio e seguro
que o anterior. Ele não se repete, antes estabiliza certos
anadmentos como se estivesse repassando antigos motivos com um
olhar distanciado. As duas histórias têm alguns pontos
em comum, mas o que as identifica é a similaridade dos
discursos paralelos, os embates entre o velho e o novo, entre
o que permanece e deve se renovar e o que desaparece na natural
voragem dos dias.
Autor de pelo menos dois livros extraordinariamente bem realizados,
Juliano Pavollini (1989) e A suavidade do vento
(1991), Tezza mantém aquela "visão corrosiva"
já apontada por Wilson Martins em relação
ao de 1989, que é um dos aspectos definidores de Uma noite
em Curitiba. A história do desesperado amor entre o professor
Frederico Rennon e a atriz Sara Donovan, que nos chega via um
castelo de cartas abissais do referido, é o deflagrador
da trama. Organizadas pelo filho, que pontua essa organização
com muita malícia e ironia, as cartas vão aos poucos
desenhando essa figura estraçalhada do preofessor e historiador
Rennon, que esconde de si e dos outros o seu passado de "manchas
de memória".
É uma espécie de fantasma da juventude ( uma juventude
de engajamentos estudantis e algum descaminho), que se escancara
sobre a vida burguesa que o professor soube arregimentar tão
bem, antes do fatal reencontro com Sara Donovan.
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