CORREIO BRAZILIENSE
Brasília, 23 de novembro de 1995


Reencontro com a vida

Regina Dalcastagnè

Um homem organiza sua vida com esmero,. enterrando o passado, montando peça por peça uma imagem pública. Mas, em algum instante, a vida - isto é, o caos - bate à porta e exige entrar. Uma noite em Curitiba, novo romance de Cristovão Tezza, fala deste momento.

O protagonista é Frederico Rennon, um severo professor de História, conceituado entre os pares e ausente para a família. O que mexe com sua vida éo reencontro com Sara Donovan, uma afetada atriz de telenovelas, amor perdido de sua juventude. Essa história um tanto banal, que beira o patético, se faz aos poucos genuina, intensa, plena de possibilidades. E faz também um dos melhores romances do ano.
O livro é narrado pelo filho de Frederico, que tem acesso às imensas e reveladoras cartas do pai a Sara.

Posudas no começo, depois cada vez mais dilaceradas, as cartas contrastam com a ironia do filho - que também perde distanciamento e ganha amargor ao longo do livro.

O que de início parecia um ato de revolta e vingança contra o pai distante e impertubável em sua sabedoria se transforma no retrato apaixonado de um homem que não se podia deixar penetrar, uma vez que não era o que fingia ser.

Impotência - A relação, impossível, entre pai e filho é construída com maestria por Tezza. Cada palavra, cada gesto é pesado, medido, sufocado antes de vir à tona. Numa mesa de bar, um de frente para o outro, um mundo de coisas para dizer... e nada. A impotência do pai diante da vida se reflete no filho, fazendo com que se tornem as duas faces de uma mesma moeda, brilhante, mas já fora de uso.
Até reencontrar o amor de sua juventude - testemunha de sua tragédia - Rennon é uma personagem imersa em seu medo, no terror do passado.

O amor tardio quebra sua casca, torna-o ridículo, desmonta sua ficção, mas não o salva. Não é possível fazer o relógio recuar 25 anos ou escolher uma fatia do passado em detrimento de outra.


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