O ESTADO - CADERNO 2
Florianópolis, 4 de setembro de 1988


O drama urbano de um jovem poeta

Cristovão Tezza, catarinense radicado em Curitiba, chega ao sucesso com seu livro Trapo, escrito em 82, mas editado somente neste ano pela Brasiliense.

Em meio à recessão econômica que dita as normas do mercado editorial brasileiro, um novo escritor consegue se projetar e até mesmo garantir publicações para os próximos anos. A façanha é do catarinense Cristovão Tezza, autor de Trapo, editado neste ano pela Brasiliense. Se o recurso da metaliteratura usado em seu novo livro - um romance sobre literatura -não é novidade, outras características de Trapo garantiram sucesso. Uma linguagem urbana revela a complexidade psicológica dos personagens de Tezza, que escreve sobre a cidade de Cimtiba e de seus diferentes mundos. No próximo mês, o escritor lança Aventuras Provisórias, que recebeu o segundo lugar no Concurso Petrobrás de Literatura. Para 89, já está garantida a publicação de um novo romance, Juliano Pavollini, pela Brasiliense.

"Sou um escritor retardado", brinca Tezza, ao comentar que Trapo foi escrito em 82 e publicado seis anos depois. O "atraso" também marcou seus outros livros: A Cidade Inventada, contos escritos em 75 e editados em 79; Gran Circo das Américas (Brasiliense, 1980); O Terrorista Lírico (Criar Edições, 1981) e Ensaio da Paixão (Criar Edições e FCC, 1986), que recebeu menção honrosa no concurso literário Cruz e Sousa. Agora, quando o escritor completa 36 anos, a situação se inverte já que seuspróximos dois livros têm publicação garantida."Felizmente, os ventos começam a soprar para o meu lado", comenta o autor.

Tezza nasceu em Lages, mas foi para o Paraná com apenas 10 anos de idade. É em Curitiba que morou Trapo, um poeta suicida de apenas 20 anos que deixa mil páginas inéditas. Sua obra acaba nas mãos do professor Manuel, que entra no delirante mundo do poeta. A diferença entre a vida de Trapo, viciado em drogas e na bebida, e a de Manuel, um aposentado sombrio e conservador, é revelada pelas cartas do poeta e pelos relatos do professor.

Cristovão Tezza utilizou seus poemas escritos quando ainda era estudante de Letras na Universidade Federal do Paraná e deu a autoria para Trapo. "Como não sou poeta e minhas tentativas nesse campo estão encerradas, resolvi criar um romance sobre um possível futuro poeta".

A história da publicação de Trapo é ainda mais complicada que o próprio romance. No final de 82, o escritor mandou seus originais para a Brasiliense, que os enviou para a Codecri. Como não recebia resposta de nenhuma editora, Tezza mandou o texto para um concurso, mas não consegiu classificação. Várias editoras gaúchas foram procuradas e em 86 o romance voltou para a Brasiliense, desta vez com 50 páginas a menos, já que o original tinha mais de 250. "Finalniente fechamos contrato, mas o lançamento previsto para 87 só saiu este ano". O imprevisto final ficou com o posfácio de Paulo Leminski, que considerou Bukowski a principal influência em Trapo. "Isso não é verdade, só fui ler Bukowski depois de escrever o romance", revela Tezza.

Outra leitura tardia de Cristovão Tezza foi o próprio posfácio de Leminski. "Só tive conhecimento desse texto quando o livro foi publicado. Não acho que uma obra precise de apresentação, só ela pode revelar sua qualidade e seu conteúdo". Tezza não acredita no seu parentesco com Bukowski, "talvez apenas o tom coloquial". As pistas das influências na literatura do novo escritor podem ser encontradas nos livros de judeus americanos. "Meus personagens trazem um grande sentimento de culpa, urna sensação de responsabilidade torturante". Mas a verdadeira paixão de Tezza está em Hemingway e Dostoievski, "os grandes contadores de historias".

Casos como um posfácio inédito para o próprio autor do livro são considerados comuns por Cristovão. "Dentro da máquina editorial, você acaba como marca de sabonete". Mas ele também acredita que agora esse tratamento vai mudar. "O público gostou de Trapo, muitos leitores me procuram para comentar o romance", revela. O antigo poeta que cedeu seus versos a Trapo já foi marinheiro da marinha mercante, hippie, ator amador e trabalhou ilegalmente na Europa onde esteve por quase um ano. Cristovão Tezza também foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina de 84 a 86 e agora leciona Língua Portuguesa na Universidade Federal do Paraná. "Ao contrário da maioria dos brasileiros, eu não tenho vontade de morar fora do país. Essa sucessão de azares e de incompetência que atinge o Brasil ainda vai terminar"; salienta.



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