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ESTADO DE MINAS
Belo Horizonte, 13 de março de 1992
Um convite à
aventura de escrever
José Luiz Fourreaux
Não é tradição, no Brasil, a publicação
de uma obra ficcional consistente e constante por parte de professores
universitários. A realidade brasileira parece não
comportar este dado. Um outro dado aleatório é o
de que a tradição da historiografia literária
no Brasil costuma associar sempre o nome de um escritor à
região de onde provém e onde publica seus livros.
Este é o caso de Érico Veríssimo com o Rio
Grande do Sul, de Graciliano Ramos com Alagoas e de João
Guimarães Rosa com Minas Gerais. Um outro nome sempre associado
a uma cidade é o de Dalton Trevisan, para ficar num exemplo
único. Pensa-se nele, e, automaticamente, se pensa em Curitiba.
A impressão que sempre fica é a de que sempre e
apenas ele escreve nesta cidade. Será que é assim
mesmo?
Ano passado, seguindo a dica de um colega de universidade procurei
nas livrarias de Londrina (foi uma bela coincidência!) o
livro de um escritor do Paraná, para mim totalmente desconhecido:
Cristovão Tezza. O livro era Trapo. Uma surpresa das mais
agradáveis.
Aos 35 anos de idade, ele é professor da Universidade Federal
do Paraná, mas já foi ator, poeta, relojoeiro, revisor
de textos, além de ter experimentado a clandestinidade
na Europa. Talvez aí resida a aguda observação
da interioridade social do homem, da mulher, do adolescente, presentes
em seus livros.
O primeiro livro que li dele - Trapo - é um mergulho num
microcosmo localizado na Curitiba povoada de vozes assustadas
da classe média, uma obra de paixão, sem utopias,
em que a diferença de classes é filtrada com fina
ironia, para não dizer amargura. A história de um
professor que tem de preparar os originais de uma obra de seu
aluno, o que dá nome ao romance. Este apelido remete à
estrutura da obra que se desenvolve à sombra de uma linguagem
ligeira e profundamente especulativa, no que diz respeito à
valorização de uma obra literária e aos dramas
que envolvem a leitura, a descoberta de um valor, o verdadeiro,
literário nos escritos de um adolescente descontente com
sua condição existencial. É claro que a condição
de seu narrador, um professor universitário, não
constitui mera coincidência. Por outro lado, não
há como associar a esta atitude narrativa uma tentativa
autobiográfica na construção do romance.
Confesso que a aparente ingenuidade do texto, na verdade muito
mais complexo, confunde e agride as mentes mais tacanhas e presas
a convencionalismos críticos.
A obra de Cristovão Tezza revela uma Curitiba subterrânea
e simbólica, fazendo um comovido testemunho sobre o descompasso
entre os sonhos do paraíso e a tragédia urbana de
nossos dias. Tudo isso sem perpetuar a imagem do vampiro, tão
cara a Dalton Trevisan. A linguagem de Cristovão Tezza
é limpa de regionalismos bastardos e faz um passeio elegante,
divertido e leve sobre a comunicação entre gerações;
sem se prender a discussões aleatórias e bastante
comprometedoras sobre o conflito de gerações. Trapo
é um livro que deve ser lido de coração aberto,
sem a pretensão de articulá-lo a discursos filosóficos
existencialistas menores, apesar da presença desta "visada"
em seu texto.
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