NICOLAU
Curitiba, julho de 1988


TRAPO E OUTRAS HISTÓRIAS

CARLOS ALBERTO FARACO

Cristovão Tezza é um curitibano que, por acaso, nasceu em Lages. Está em Curitiba há muitos anos, mas sempre fugindo dela: ameaçou ir para a Marinha Mercante e acabou como relojoeiro em Antonina, onde também desenvolveu uma rica experiência em teatro. Depois, aventurou-se como estudante em Portugal e como trabalhador clandestino na Alemanha, exilando-se -em seguida - no Império do Acre. Curitiba, porém, sempre o trouxe de volta. Da última vez, achou que Florianópolis lhe seria mais doce e foi morar na Lagoa da Conceição. Não resistiu: voltou e, em 1986, se tomou, por concurso, professor de nossa velha Universidade.

Desde seu primeiro livro, Gran Circo das Américas (publicado pela Brasiliense em 1979), Cristovão tem tido uma produção literária constante e sua obra é já relativamente extensa: publicou pela CooEditora, em 1980, um livro de contos, A cidade inventada (certamente um dos nossos melhores livros de contos); o romance O terrorista lírico, pela Criar Edições, em 1981. Foi um dos ganhadores em 1982 do Concurso Nacional do Romance - Prêmio Cruz e Souza, com o texto Ensaio da paixão, publicado em 1986 pela Criar em co-edição com a Fundação Catarinense de Cultura. Seu romance Aventuras provisórias - premiado no Concurso de Literatura da Petrobrás deste ano - será em breve publicado pela Mercado Aberto de Porto Alegre; e a Brasiliense já anunciou o lançamento para as próximas semanas do romance Trapo.

Cristovão é um bom contador de boas histórias. Sua narrativa é fluente e sedutora, construída com uma linguagem bem contemporânea, sem aqueles aborrecidos deslizes beletristas, ainda tão presentes em alguns dos escritores brasileiros. Uma linguagem coloquial, sem - contudo - os tropeços do mau acabamento. Os enredos se articulam com o suporte de diálogos muito vivos, qualidade narrativa que Cristovão certamente desenvolveu de sua experiência de teatro.

Os personagens que vivem esses enredos são seres insatisfeitos, inconformados, inquietos. Experimentam a angústia do desajuste e tentam superá-la pelo rompimento radical com a situação que os oprime. E o Juliano de Gran circo das Américas que, na realização do velho sonho juvenil de gerações, foge com o circo; ou o Raul Vasquez de O terrorista lírico, que explode toda uma cidade como solução necessária para as opressões da vida urbana, ou o Pablo de Aventuras provisórias que nasceu errado, apanha sem saber por que e parte para uma comunidade (alternativa? ecológica?), em busca duma paz que lhe foge.

Na construção desses e de outros personagens, o autor revela uma espécie de íntima identificação com os que vivem na margem. E como se os mais desajustados dentre todos nós melhor preservassem, em suas sempre trágicas vidas, as reais dimensões da grandeza e dignidade humanas.
A geografia de seus enredos é, de certa forma, a geografia de seus passos. O leitor curitibano não deixará de notar sutis referências à geografia da cidade. Há um pouco de Florianópolis em Aventuras provisórias; e uma espécie de mistura desta com Antonina e a baía de Paranaguá em Ensaio da paixão. O espaço é, porém, qualquer; importam os dramas humanos que aproximam ou afastam e que em vibrantes contrapontos (narrados sempre com fina ironia e requintado humor) desvelam a tragédia humana.

Em Trapo, o livro que está chegando às livrarias, Izolda, a vulgar Izolda, invade a viaa ue um velho professor aposentado para dar a ele dois pacotes com os escritos de Paulo (o Trapo). Um encontro quase casual e dois pacotes amarrados de qualquer jeito - o suficiente para engendrar um belo enredo e uma depuração radical (nos escritos de Trapo) de nossos tristes tempos. São três inesquecíveis personagens: a vulgar Izolda, o velho professor e o atordoante Trapo num livro de extraordinário fôlego que nos mostra, mais uma vez, as muitas qualidades literárias de Cristovão Tezza, um escritor ainda pouco badalado, em grande parte porque se recusa a sucumbir a um marketing autopromocional, tão comum nas plagas provincianas.




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