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COLÓQUIO / LETRAS
- Lisboa, Portugal
Nº 125/126 - Julho-dezembro de 1992
CRISTOVÃO TEZZA
A SUAVIDADE DO VENTO
Rio de Janeiro, Record / 1991
Para um escritor que praticamente iniciou sua carreira literária
sendo premiado (o Ensaio da Paixão, de 1982, foi
um dos laureados no Concurso Nacional de Romance) e cujas Aventuras
Provisórias (1987) lhe deram o segundo lugar no Concurso
Petrobras de literatura, nao deve ter sido surpresa a conquista
da Bolsa Vitae de Literatura (1990) que lhe permitiu a realizaçao
da presente A Suavidade do Vento, a prometer o mesmo sucesso
de Trapo (1988) e de Juliano Pavollini (1989).
A regularidade de produção, que não tem desmerecido
de sua qualidade, já permite situar Cristovão Tezza
em lugar de destaque na ficção brasileira contemporânea.
Nascido em Lajes / SC (1952), mas residindo há muito em
Curitiba, onde é professor da Universidade Federal do Paraná,
a prosa deste romancista talentoso e observador detalhista da
realidade social e humana gira quase sempre à volta de
temas obsessivos que têm emprestado singularidade à
sua voz narrativa: se quisermos reduzi-los a um motivo central.
diríamos que suas personagens se caracterizam por uma cisão
irremediável - patológica, doentia - entre a intenção
e os actos. invariavelmente reunidos de modo antitético,
antagónico, a criar paradoxos cujos desfechos vão
do isolamento eremítico à aberração
de crimes hediondos ou ao suicidio. Não parece haver saída
quando os sonhos são incompatíveis com a estreiteza
do quotidiano, e revoltar-se - de todas as maneiras marginalizadas
- é a mais pura e dolorosa expressão da impotência.
Daí a história comovente de protagonistas solitários,
os quais se expressam em primeira pessoa ou em diálogos
que são antes monólogos, conduzidos por Tezza com
a maestria de artesão, quer pelo ritmo seguro, quer pela
precisão lapidar da linguagem. Quando Trapo se mata ou
quando Juliano Pavollini se condena à prisão, o
gesto incompreensível aos olhos do mundo é o último
reduto da pungente fidelidade que mantiveram para consigo mesmos,
apesar de tudo e de todos.
A este veio, que se tem mostrado constante, A Suavidade do
Vento acrescenta a engenhosidade de sua concepção:
trata-se de uma história dentro de outra, ambas aparentadas
a técnicas que vão de Pirandello a Borges, de Virginia
Woolf a Clarice Lispector. Aliás, A Paixão segundo
GH, desta última, é citada pelo protagonista
J. Mattoso como modelo inspirador da obra. De facto, as duas trajectórias
se parecem: assim como a heroína-escultora de Clarice ao
caminhar da sala para o quarto da empregada vira do avesso toda
uma existência acomodada, da mesma forma procede Josilei
Maria Matôzo (o erro de grafia é intencional e caracterizador),
obscuro professor cuja timidez autodefensiva e paralisante converge
para o único devaneio que foi capaz de alimentar e pôr
em prática: a elaboração de A Suavidade do
Vento, livro que o transformou temporariamente em J. Mattoso e
que o fez supor-se respeitado na comunidade. Cedo constatou o
malogro: sair do anonimato, enfrentar a solidariedade de colegas,
entrar na intimidade de editores, propagandear sua obra, etc.,
etc., pareceram-lhe tarefas tão hercúleas que o
encheram de terror e desnudaram sua definitiva incapacidade de
conviver, Só lhe restou "apagar" essa etapa pela
destruição dos exemplares editados. permitindo a
J. Mattoso a covardia reconfortante de voltar a ser Josilei Matôzo.
O curioso é que isto se passa como a estrutura de um drama
(com "Prólogo", "Primeiro Acto", "Entreacto",
"Segundo Acto" e "Cortina", "inventado"
por um autor-narrador que estaciona "seu velho ônihus"
à beira de cena estrada, de onde vão saindo seres
fantasmagóricos e que aos poucos se corporificam nas personagens
que "encenarão" a "peça". Ao
fim, quando a "cortina" se fecha sobre as ilusões
desfeitas, todos retornam ao mesmo ôoihus do início
e vão de novo perdendo a consistência, até
desaparecer. Desolado, o manipulador dessas vidas efémeras
retorna a Curitiba.
Para Cristovão Tezza, cuja extraordinária fantasia
está sempre atenta à ambiguidade da natureza humana,
é como se todos os nossos projectos. mutilados na essência.
fossem de antemão fumaça. Triste e iluminadora metáfora!
Lênia Márcia Mongelli
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