Revista Paradoxo
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13/12/2004

 O Fotógrafo

Em seu novo romance, Cristovão Tezza revela a história em forma de fotografia

por Daniel Seleme

Nesse fim de ano chegou às livrarias o novo romance de Cristovão Tezza, O Fotógrafo. O livro conta a história de um repórter fotográfico quarentão e insatisfeito com a vida. Um dia, de maneira inesperada, ele recebe uma proposta para secretamente fotografar uma jovem mulher. Tudo o que precisa é segui-la e tirar suas fotografias. Em troca, recebe 200 dólares por cada filme não revelado - um dinheiro bem vindo já que o personagem é mais um brasileiro de classe média que luta pelo pão de cada dia. Tezza fez da obra um livro extremamente calculado, tal qual o trabalho de um fotógrafo. Tudo se passa em apenas um único dia. Num intricado conjunto de personagens, o dia é visto sob a ótica de cinco pessoas. Cada capítulo desvenda sutilmente os personagens, suas vidas e ambigüidade tornam-se mais nítidas a cada momento, transparecendo assim a proximidade de relação que mesmo indireta, uns tem com os outros.

O fotógrafo é casado com Lídia, que por ocasião está apaixonada pelo seu professor Duarte, que é casado com Mara, terapeuta da difícil personagem Íris, bela jovem que fará do dia do fotógrafo um tempo cheio de dúvidas e reflexões sobre a natureza de seu trabalho e vida íntima. Tudo está para acontecer, a vida de todos pode tomar diferentes rumos, os caminhos estão à mostra e o fim da história chega ao momento exato, como se fosse uma fotografia em que todos os elementos estão bem definidos, formando a composição perfeita à espera do click final. Os personagens são pessoas diferentes numa forma global: diferentes idades, sexos, classe social e, principalmente, modo de vida. Porém, as nuances mostram pessoas que freqüentam espaços físicos muito próximos, inclusive suas residências e ambientes de trabalho. Qualquer curitibano ou pessoa de fora que conheça a cidade, percebe como essa curta distância influencia a relação entre os personagens, inclusive colocando-os frente a frente, mesmo que por acaso, e sem se conhecerem. O fato singular aos cinco é que estão numa fase em que se olha para trás e se pensa sobre o que passou, refletem sobre a vida e conjeturam como seria o outro caminho.

Se você já ouviu falar na Praça do Expedicionário, já tomou uma bebida no Café do Teatro, assistiu a um filme no cine Luz ou esteve na Universidade Federal do Paraná, você sabe de qual região da cidade o autor fez de palco para sua obra. O professor Duarte parece um homem bem resolvido, possui seu espaço na Universidade, pai de três filhas com a psicanalista Mara, anda pelas ruas com um olhar voltado a sua sólida vida, porém seduzido com a idéia de um romance com uma mulher mais jovem, no caso, Lídia. Ela e Mara também conjeturam, mas a diferença é que Mara é madura e experiente, tem consciência que sua vida está resolvida, porém, quando pensa em Íris, tudo parece muito mais complexo. Íris, complexa e divertida, também conjetura, mais que os outros. Praticamente a todo instante. O fotógrafo, cujo nome é oculto ao leitor (apenas Rodrigo, seu segundo nome, é revelado), está a ponto de jogar tudo para cima, não suporta mais sua vida e agora está fixado em Íris. Os 200 dólares, sempre em seu bolso, parecem cada vez mais perder seu valor.

O Fotógrafo , pode-se dizer que é um livro de pensamentos. Nós passamos o dia inteiro trabalhando, estudando, alguns “fazendo nada”, em momentos falamos com pessoas, em outros ficamos quietos, mas o que sempre fazemos é pensar. Esses pensamentos são a grande característica do livro, que escrito num tom de suspense, chama o leitor para observar a história como se observa um álbum de fotografias. “O que estou fazendo aqui, ele se pergunta, e se corrige: mas em que outro lugar eu poderia estar?”... “Um homem silencioso, ela avaliou; e bonito, atrás da timidez de pedra, que parece uma máquina de pensar. Ou de penar, talvez...”.

Autor

Cristovão Tezza nasceu em Lages, Santa Catarina, vive em Curitiba há mais de 30 anos, cidade que serve de fundo para seus romances. Professor do Departamento de Lingüística da Universidade Federal do Paraná e doutor em literatura pela Universidade de São Paulo. Em 2003, sua tese de doutorado virou livro, Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Tezza publicou O Fotógrafo após seis anos sem publicar ficção. Já atuou como poeta, contista ensaísta e dramaturgo.

Confira abaixo a entrevista que Cristovão Tezza concedeu a Paradoxo.

Paradoxo - Qual foi sua inspiração para o personagem "fotógrafo"?

Tezza -Sempre gostei de fotografia e há muitos anos tinha a vaga idéia de colocar um fotógrafo como personagem. Devagar a trama foi se configurando até que eu me senti seguro o suficiente para começar o romance.

Paradoxo - Qual a relação (afinidades de perfil) entre Cristóvão Tezza e o personagem "fotógrafo"?

Tezza - Nenhuma. A minha relação com os personagens normalmente tem a mesma natureza da relação que tenho com as outras pessoas, isto é, a tentativa de compreender o mundo visto por outros olhos que não os meus. Mas, como as pessoas não são completamente diferentes umas das outras, com freqüência meus personagens têm traços, pensamentos, gestos, afinidades, interesses que também são meus. Mas isso não os transforma, de modo algum, em retratos ou reflexos do autor.

Paradoxo - Como você define seu novo romance?

Tezza - Uma pergunta difícil - o impulso romanesco existe justamente porque eu não encontro outro modo de me integrar ao mundo senão via literatura. "O fotógrafo" é uma espécie de viagem na vida cotidiana de uma classe média urbana, vista sob cinco perspectivas diferentes, tudo num único dia.

Paradoxo - Como foi escrever quase dois anos sobre uma história que se passa durante um único dia?

Tezza - O mesmo trabalho de sempre. A literatura tem essa mágica - cem anos podem se passar em duas linhas, e um dia em 230 páginas. A concentração do tempo de certa forma foi determinando a lentidão do meu ritmo.

Paradoxo - Qual sua expectativa em relação ao público sobre esse lançamento?

Tezza - Eu nunca sei como vão receber meus livros. Minha expectativa é a de sempre: que os leitores entrem em comunhão, ou em estado de empatia, com o meu romance.

Paradoxo - Não é novidade que o brasileiro lê pouco - na sua opinião o que falta para que haja um crescimento nesse sentido?

Tezza - Civilizar o país, no sentido geral - educação, alimentação, bibliotecas, muitas bibliotecas, em todas as cidades do Brasil...

[13/12/2004]


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