Folha de Pernambuco
31/01/2008
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A síndrome de Down longe do clichê

Nataly Costa

“O Filho Eterno” aborda a síndrome
sem ser didático ou piegas


O salto fatal entre o instante anterior, em que uma certa coisa existe somente enquanto esboço de realidade, e o momento imediato em que se descobre que esse esboço, já não muito promissor, estava equivocado. O que acontece é que a realidade trouxe nos braços algo infinitamente pior e inesperado. É desse choque de vida real que parte Cristóvão Tezza em “O filho Eterno”, em sua terceira edição pela Record e já considerada a obra máxima do escritor catarinense . A história - o relato de um pai que descobre que seu primogênito tem síndrome de down - passa muito longe do clichê do didatismo, de tentar “desmistificar o assunto”, “alertar a sociedade contra esse terrível problema” ou, pior, “acabar com o preconceito” das pessoas. O próprio narrador expõe o seu preconceito e sua vergonha do filho, sentimentos que chegam a ser acalentados com a probabilidade de uma morte prematura daquela criança. Ainda assim, nada muda o fato de que aquela criança é eterna, pois, constata, “o filho é a imagem mais próxima da idéia de destino, daquilo que você não escapa”.

Cru e pontiagudo, Tezza impressiona, mas não choca. Não choca porque percebe-se que o vulcão de sentimentos daquele pai não poderia ser descrito de qualquer outra maneira - ao menos que toda a autenticidade se perdesse em palavras gentis, corretas e resignadas. Nem tampouco é uma sensação de revolta cega que toma o personagem. Seu grande exercício é o de tentar aproximar dois conceitos que se provaram tão distintos e irreconciliáveis: o normal - que seria ter um filho completamente saudável - e o real - o filho que tem nas mãos, “com um bom estímulo, poderá chegar a cinqüenta ou sessenta por cento da inteligência de uma criança normal”.

Ter que lidar com o fantasma da paternidade, de saída, já era um tormento para a personalidade meio hippie, meio marginal do narrador. Ser pai de Felipe é aprender a aceitar o irreversível, quando até então ele tinha conseguido driblar tudo de aparentemente definitivo que tinha acontecido em sua vida. O autor mostra também que, nos anos 80, sociedade e comunidade científica ainda usavam com freqüência os termos “mongolóide” e “mongolismo” para explicar a doença, diferente do “especial” ou “excepcional”, nomenclaturas mais recorrentes hoje em dia. O romance é autobiográfico - Tezza tem um filho de 27 anos, portador de síndrome de Down, o mesmo Felipe.

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