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ZERO HORA
Porto Alegre, 7 de fevereiro de 1995
Dois personagens de mesmo nome e substância
Jerônimo Teixeira
O Fantasma da Infância parte de uma idéia inusitada:
um anúncio classificado pede os serviços de um escritor.
Coincidentemente (ou não), André Devinne, o digitador
que trabalha no caderno de classificados, é um escritor
obscuro que vislumbra sua oportunidade definitiva naquele emprego
perdido entre ofertas de bicicletas usadas e garotas de programa.
A habilidade narrativa de Cristovão Tezza se afirma já
na primeira página de seu oitavo romance. É um curioso
fluxo de consciência, em que anúncios de formulários
contínuos e títulos de capitalização
se mesclam às velhas frustrações e às
novas esperanças de André Devinne.
A cena inicial, situada em Curitiba, ocupa duas escassas páginas.
Abre-se um novo capitulo, e o narrador, agora em terceira pessoa,
informa que "André Devinne é um homem de substância
ingênua". Estamos em Florianópolis, e o leitor,
desconcertado, demora um pouco a perceber que não é
o mesmo André Devinne.
O André Devinne de Curitiba é pobre e verdadeiramente
ingênuo. No seu passado, tem um casamento fracassado com
uma estudante de psicologia, Laura. O André Devinne de
Florianópolis é rico e ambiguamente ingênuo.
É casado com uma artista plástica, Laura, e no seu
passado tem outro nome e outra história, relembrada pela
incômoda visita do ex-presidiário Odair, seu amigo
(ou melhor, fantasma) de infância.
No imbricamento das duas narrativas, Tezza consegue uma notável
peça de ficção sobre a vitória do
cinismo, revestida de uma pesada nota trágica na história
de Florianópolis e de um tom de farsa inocente no happy
end canalha de Curitiba. No entanto, um certo desnível
de interesse se estabelece entre as duas narrativas quando entra
em cena o "doutor" Cid, um empresário do narcotráfico.
Cid é uma espécie de PC Farias com doutrina filosófica.
Funciona como contraponto para o personagem escritor. Paródia
de autor fracassado, André Devinne usa a enlameada auréola
de artista marginal para justificar suas covardes derrotas. Cid
desmonta, uma a uma, estas pretensões de outsider programático.
Persiste, porém, uma certa inverossimilhança neste
empresário do crime que reprova o exibicionismo cafona
dos bicheiros do Rio mas usa um dente de ouro. Sobretudo, Cid
(talvez até para compensar sua relativa inconsistência)
fala demais. Quando este personagem verborrágico aparece,
o leitor conta as páginas que faltam para chegar novamente
aos jogos de hipocrisia e chantagem dissimulada que sufocam o
André Devinne de Curitiba.
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