|
HOJE - Caderno
de Cultura
Belo Horizonte, 26 de setembro de 1994
"O Fantasma da Infância" projeta Tezza
O novo romance do escritor radicado em Curitiba
é
uma narrativa polifônica e surpreendente
Alécio Cunha
Um advogado bem sucedido, casado com uma bela artista plástica,
pai de uma filhinha mimada, recebe a indesejada visita de um companheiro
do passado, portador de segredos que não podem ser revelados.
Um escritor em crise existencial e criativa, abandonado pela mulher,
é seqüestrado por um traficante milionário
e recebe a proposta de escrever a biografia de seu algoz em troca
da liberdade. Estes dois personagens têm algo em comum:
ambos se chamam André Devinne. Mera coincidência?
Absurdo literário? Nada disso, é a trama do nono
romance do escritor Cristovão Tezza, "O Fantasma da
Infância", lançado pela Editora Record.
Catarinense de nascimento e curitibano por adoção,
Tezza é um nome que precisa ser descoberto pelos leitores.
Sua prosa, decupada como um bom roteiro cinematográfico,
é repleta de movimento e ação. O estilo seco,
ágil e impiedoso remete a Rubem Fonseca, o gosto pela metalinguagem
o aproxima de Sérgio Sant'Anna, a fixação
por Curitiba lembra a emotividade geográfica de Dalton
Trevisan e Pauo Leminski (autor do posfácio de "Trapo",
uma das obras mais provocantes de Cristovão, lançada
em 88 pela Brasiliense). Mas apesar destas semelhanças
estéticas, Tezza é Tezza e ponto final.
Em "O Fantasma da Infância", o autor criou dois
Andrés e duas Lauras (coincidentemente as mulheres dos
personagens, tanto a que abandonou um deles como a artista plástica
também têm o mesmo nome). O primeiro André,
o escritor raptado, gera o segundo, fruto de sua imaginação,
já que tal personagem está inserido em um romance
escrito pelo primeiro André no cativeiro. Os capítulos
do livro de Tezza são alternados e vão causando
tanto suspense no leitor, que a obra acaba sendo lida em um fôlego
só.
Extremamente criativo e coeso, destacando-se a economia das palavras,
a prosa saborosa do autor vai engalfinhando o leitor por um labirinto
sem saída. De repente, na narrativa do André escritor,
aparece um elemento da história do André advogado.
São pequenas interferências de uma narrativa na outra,
como uma marinha da Laura, artista plástica qu decora a
sala do tarado metafísico que seqüestrou o André
escritor e o tortura com indagações filosóficas
sobre o processo de criação do artista.
O grande lance é que existe uma terceira e sutil voz no
texto, costurando com habilidade as outras duas: o próprio
Tezza. A metaliteratura do escritor usa e abusa da duplicidade
do enredo, criando e modificando situações, que
podem ser vistas como realidade paralelas, o velho estigma do
duplo, do outro, fantasmas que podem habitar tanto histórias
de Robert Louis Stevenson ("O Médico e o Monstro")
como um filme de David Cronemberg ("Gêmeos, Mórbida
Semelhança"). E, sem sombra de dúvida, tal
temática ainda não esgotou sua capacidade de sedução.
Outro aspecto importante em "O Fantasma da Infância"
remete ao italiano Luigi Pirandello. Os personagens de Tezza são
fagulhas do inconsciente, que vagueiam pelo livro, perambulando
à procura de um desfecho para seus destinos, personagens
em busca de um autor. E quem tece este destino, como Penélope
onisciente, é Cristovão Tezza. Além disso,
o autor brinda ao leitor com dois desfechos surpreendentes, os
quais não ouso narrar aqui, pois a surpresa é palavrinha
mágica da cartola literária de Tezza, um escritor
que precisa ser reconhecido com a máxima urgência.
voltar
|