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FOLHA DE S. PAULO - CADERNO MAIS!
São Paulo, 9 de outubro de 1994
Relato sublime sobre os fantasmas do tempo
BERNARDO AJZENBERG
Escrever implica, muitas vezes, deixar-se domar por algum passado,
reconhecendo aflições e derrapagens, mortes e hesitações
-mesmo que a meta seja estruturar algo do futuro. Desse ritual
nasceu "O Fantasma da Infância'', oitavo romance de
Cristovão Tezza, catarinense radicado em Curitiba.
Em busca de si mesmo, o escritor frustrado André Devinne
narra um suposto reencontro, no futuro, entre ele e um amigo de
adolescência que conhece segredos comprometedores a seu
respeito; essa narrativa, ele a "cria'' numa espécie
de cárcere privado, sequestrado que foi por um empresário
tão poderoso quanto sem escrúpulos, mas em crise.
As duas histórias (a "real'' e a "fictícia'')
correm em paralelo, num clima de "thriller'', em capítulos
rigidamente alternados. E o interessante é que a "ficção''
de Devinne tem menos inverossimilhança do que a "realidade''
que ele enfrenta, em seu cativeiro, sob as garras do empresário.
De forma que o leitor vivencia o dilema, já não
sabe onde começa o imaginado ou onde acaba o sofrido -
e distingui-lo, no caso, talvez nem seja tão importante.
Impasse entre ficção e realidade, eis um tema que
parece atrair Tezza, que o explora também em "A Suavidade
do Vento'' (Record, 1991).
Devinne não reconstitui a sua infância, apenas alude
a ela, em pânico, através da presença do amigo
ou de recordações fugazes. Quem segue algo sobre
o conjunto da obra de Tezza, porém, logo observa que se
trata na verdade da infância do personagem-título
de "Juliano Pavollini'' (Record, 1989), cuja versão
adulta é agora encarnada por Devinne.
Conhecer o livro anterior faz mais "completo'' o atual, mas
não é indispensável. "O Fantasma da
Infância'' sustenta-se sozinho, e muito bem. Tezza sabe
reter a atenção. O estilo é terra-a-terra,
detalhista, próximo de uma simplicidade sublime. Os diálogos
têm um tom cinematográfico de coloquialidade. O modo
de expor o "monólogo interior'' torna instigantes
os "fantasmas'', temores e hesitações de Devinne.
Tendo Curitiba como palco, desnudando figuras de classe média
e média-baixa, semiintelectuais ou artistas, Tezza, 42,
firma uma obra sólida há vários anos. Não
com muito festejo; mais como quem adentra devagar, silente, com
a suavidade do vento...
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