O GLOBO - LIVROS
Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1994


TEZZA E OS FANTASMAS DE CURITIBA

ELIZABETH ORSINI

O FANTASMA DA INFÂNCIA, de Cristovão Tezza. Editora Record, 192 pags. RS 12,50

O crítico Wilson Martins não pensa duas vezes para afirmar que o escritor Cristovão Tezza está para Curitiba assim como João Ubaldo Ribeiro está para a Bahia e Assis Brasil para o Rio Grande do Sul. Ele se inclui entre os leitores que aguardam com ansiedade "O fantasma da infância", nono livro do escritor. Considerado pelo crítico "uma das maiores vocações de romancista que o Brasil já teve", Tezza retoma neste livro temas que se tornaram quase uma obsessão: a paixão e a profunda descrença no ser humano.

A trama gira em torno do jornalista decadente André Devine, seqüestrado por um milionário para escrever sua biografia. "O fantasma da infância", narrativa dupla que trabalha o mesmo universo urbano dos livros mais recentes do autor, como "Trapo" e "Aventuras provisórias", é sem dúvida seu romance mais contemporâneo e registra em suas páginas a crise da elite corrupta brasileira na época do impeachment.

- Era natural que isso acontecesse, porque eu estava escrevendo o livro naquela época. Através do dr. Cid, um milionário da economia alternativa, e de André Devinne, eu discuto o Brasil - diz o autor.
Catarinense de Lages, Tezza lembra que, depois de ler "O fantasma da infância", o capista e leitor fiel Carlos Dala Stella comentou: "Nossa, mas você não acredita mesmo em nada!" Ele discorda. Afirma que tem uma relação muito bem-humorada com a vida, mas reconhece que o universo da literatura não lhe deixa muito espaço.

- Para mim o território da literatura não é um território opinativo sobre o mundo, porque os personagens têm muito poder. Concordo com Nabokov quando ele diz que só um idiota se deixa levar pelos personagens. Mas sou um pouquinho idiota, porque me deixo levar por eles.
Wilson Martins identifica em Tezza um estilo moderno de narrativa, semelhante ao do autor de "O vampiro de Curitiba", enquanto a professora de literatura Rosse-Marye Bernardes, estudiosa da obra de Dalton Trevisan, o define como "escritor de um realismo clássico", destacando como marca de sua obra o domínio social da linguagem.

- Eu o colocaria na mesma família de Dalton Trevisan e Machado de Assis, na medida que ele também aponta a crueza do cotidiano.
- Ele é seguramente o herdeiro de Dalton Trevisan no Paraná - garante João Roberto Faria, professor de Literatura Brasileira da USP. Ele lembra que os livros do autor trabalham com alguns tipos aparentemente regionais, mas que vivem emoções que são de todos nós. E cita como exemplo "Juliano Pavollini", romance primoroso que conta a história de um menimo que foge do interior para a turbulenta Curitiba dos anos 50.

- Tezza sabe contar história como poucos, e sua literatura é bastante cinematográflca. A adaptação que ele fez de seu livro "Trapo" para o teatro levou centenas de jovens a Curitiba.
São essas e outras qualidades que levaram o agente o escritor nos Estados Unidos, Alan Clarke, a traduzir "A suavidade do vento" sob o título "The dust and the darkness". Alan também gostou tanto de "O fantasma da infância" que já começou a traduzi-lo. Apesar de reconhecer a dificuldade de vender escritores latino-americanos nos Estados Unidos, o agente está otimista.

- Publicá-lo nos Estados Unidos é uma questão de tempo. Depois do primeiro livro os outros venderão com facilidade.
Professor de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Paraná, Tezza guarda até hoje a primeira crítica sobre seu traba]ho, assinada pelo escritor Esdras do Nascimento sob o título "Rara competência".

- Ele é um dos raros bons romancistas da nova geração. Ao seu lado vejo apenas Raimundo Carrero, de Pernambuco - diz Esdras.

Vizinho de Dalton Trevisan, o autor não consegue esconder o entusiasmo em relação a seu próximo livro, "Uma noite em Curitiba", terminado em Nova York, que ele considera seu melhor trabalho. Trata-se de um romance semi-espistolar que narra a avassaladora paixão do velho professor aposentado Rennon por uma famosa atriz de teatro e cinema nacional, Sara Donovan. O narrador da história é o filho do professor, que organiza as cartas do pai apesar de ter uma relação terrível com ele e ser seu maior censor. Tudo isso tendo como pano de fundo um mundo hostil, por onde circulam personagens patéticos. Tezza afirma que este livro foi escrito por um autor mais maduro e consciente de seu papel.
- A linguagem e o universo de "Uma noite em Curitiba" potencializam todos os meus temas de uma forma mais eficiente e literariamente mais rica.



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