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ENSAIO DA PAIXÃO
Cristovão Tezza
O primeiro capítulo de Ensaio da Paixão
provoca um impacto enorme. Isaías conversa com Deus e perde
a paciência: "O senhor não passa de um velho
estúpido e cego! Pois fique aí, no seu paraíso
morto, enquanto eu recrio a vida na terra. E tem mais: não
quero rebanho, mas solidão."
Corta. A história é outra. E aí se entende
que o pobre Isaías tem razão em estar nervoso. Ele
é o anfitrião, a contragosto, de um rebanho constituído
por toda a espécie de gente, com variadas nuances políticas,
ideológicas, sexuais, artísticas... É na
ilha em que ele mora, terra perdida no sul do Brasil, que todo
ano acontece o ensaio da Paixão de Cristo. Um teatro sem
atores, roteiro ou cenários profissionais.
Sim, estamos nos anos 70 e suas loucas paixões: maconha,
paz e amor, experiências novas, curtição,
transa legal, barato total... A mulher, como sempre, procurando
seu espaço ao sol. Em certo momento, uma das "atrizes"
questiona: "Já repararam que mulher não tem
vez na Paixão? Ou é a Virgem ou a Madalena. Ou santa
ou puta. Deviam fazer Cristo mulher, seria mais justo." Quase
levou vaia, lógico.
Mas enquanto eles observam o céu e discutem sobre o país,
a ditadura, o lúmpen etc., na cúpula do poder militar
o grupo é visto como altamente subversivo e uma ameaça
à ordem vigente. Só poderiam ser guerrilheiros,
coitados. Na verdade, entretanto, o que queriam era apenas sonhar
que o mundo poderia ser melhor.
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