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FOLHA DE LONDRINA
Londrina, 29 de abril de 1999
Um novo "Ensaio da Paixão"
Livro de Cristovão Tezza,
lançado em 1986, é republicado pela Editora Rocco
totalmente revisado
Zeca Correa Leite
O escritor Cristovão Tezza está
com um novo livro para chegar ao mercado nas próximas semanas,
com lançamento da Editora Rocco. Não vem a ser um
romance inédito porque foi publicado há 13 anos
pela Editora Criar, de Curitiba, em co-edição com
a Fundação Catarinense de Cultura. "Ensaio
da Paixão", escrito em 1980, é o quarto livro
dos onze já lançados pelo escritor, e o primeiro
"mais 7 maduro", com 350 páginas.
''Com ele dei um passo mais largo na literatura", avalia
o autor, referindo-se à produção de inicio
da carreira. "Dei uma mexida com alguma modificação
estrutural, não muita." Se a estrutura manteve-se,
por assim dizer, intacta, o mesmo não aconteceu com o texto.
Este sofreu uma revisão geral.
"Não ficou uma página que não tivesse
um adjetivo cortado. Mas a alma dele está ali, inteirinha",
garante. Para Tezza o fato do livro ter sido escrito há
20 anos, dá-lhe a sensação de que, quem o
criou, era "um outro autor", na época com 26
anos de idade, e que ainda não comandava a narrativa como
hoje.
Além disso, o ponto de vista era diferente. Mexer na obra
foi uma cirurgia delicada para não alterar sua feição:
- Dá um certo medo de prejudicar o livro. Ele tem um jeitão
meio bruto, meio anárquico e eu não queria estragá-lo,
refinar demais.
Esse distanciamento crítico, como quem vê um corpo
estranho é fruto do tempo. O que mudou no Cristovão
de lá pra cá? Os adjetivos, os substantivos, os
artigos? "A idade, principalmente", responde rindo.
"De 26 para 46 anos é uma boa viagem, é um
amadurecimento geral. A minha literatura que era mais extrovertida,
ficou introvertida. 'Ensaio da Paixão' é um livro
todo para fora, tem o narrador na terceira pessoa, um tipo diferente
de vitalidade, de movimento. Meus livros posteriores ficaram mais
cerebrais, diferentes."
O romance, na visão de seu autor, tem humor e é
até mesmo "bastante violento num certo sentido".
O título é ambíguo: o "Ensaio"
aqui empregado tem dois sentidos - o do teatro, porque o livro
narra um ensaio de uma paixão de Cristo, feita numa ilha
do Sul do Brasil, e de maneira mais sutil, remete ao estudo, ao
esboço da paixão humana.
A narrativa se passa numa ilha perdida, onde "um bando de
loucos" prepara uma peça sobre a Paixão de
Cristo. O elenco é formado por "artistas" vindos
das profissões mais variadas. Tem bancários, vendedores
de imóveis, estudantes, jornalistas, escritores.
Em meio a esse pessoal que foi ali para curtir a experiência
tem um profeta - que dá origem a todo esse movimento -
os iogues levitam e um personagem tem um anjo da guarda que o
persegue continuamente. O demônio também anda por
ali, sob o disfarce de um publicitário. "E uma visão
dos anos 70", explica-se o autor. Deus está presente
e o livro começa justamente numa discussão entre
o Bem e o Mal.
Cristovão Tezza define seu trabalho como "um acaso
romanesco", onde não tem um único personagem
central. Devem ser uns dez, pelos seus cálculos. "Ele
é uma seqüência de personagens que vão
se apresentando, se conhecendo. E um livro politicamente incorreto
- aliás, nunca tive esse tipo de preocupação
- e trabalha com registros do preconceito dos anos 70", diz
o escritor.
O machismo impera em suas páginas, além de "uma
série de coisas que são colocadas a nu" no
transcorrer dos acontecimentos. Finalmente inicia-se o ensaio,
mas a estas alturas a ilha foi cercada por submarinos, navios
de guerra e ocorre até o desembarque de soldados para tomar
a ilha e ver o que está acontecendo dentro dela. A partir
daí o livro toma outro rumo, entrando em cena uma operação
de guerra de parte a parte.
Toda a situação política brasileira dos anos
70 entra em ação, com a invasão do Exército.
Os militares estavam intrigados sobre a presença do povo
naquele local e a partir deste fato "o livro vira uma fantasia
delirante dos anos 70". A utopia que permeou esta época,
bate de frente com a violência da repressão militar,
com a tortura, "o Brasil rachado, dividido em dois. Essa
parte está bem viva no livro".
"O ponto de partida do livro era uma brincadeira", conta
Tezza. Entre os anos 60 e 70, ele participou de uma comunidade
de teatro, em Antonina, e ao mesmo tempo desenvolvia uma "novelinha"
chamada "Sopa de Legumes".
Colocava como personagens das aventuras seus próprios colegas
de teatro. "A cada dois dias eu fazia um capítulo
em duas vias, e era um deboche, um escárnio sobre nós
mesmos. Eu mesmo era um personagem", diverte-se, ao lembrar
desses tempos.
"Era uma história fantástica, uma gozação
em cima da nossa comunidade. Eu ironizava aquele isolamento, aquele
tipo de auto-suficiência." As histórias circulavam
no terreno restrito do grupo. Foi nesse tempo que escreveu "uns
livros sérios, entre aspas". Mais tarde botou fogo
em tudo.
"Era uma grande porcaria. Só anos depois percebi que
a melhor literatura que estava fazendo era a 'Sopa de Legumes'.
Mais tarde meu projeto foi o de escrever um livro que tivesse
aquele clima. Quer dizer uma recreação daquilo de
forma mais ampla. Foi aí que nasceu o conceito do Ensaio
da Paixão."
Essa ilha, de certa forma ainda existe ou ficou no passado? "Ficou
nos anos 70, é a ilha da memória", responde
Tezza. "Perpassam no livro esses sonhos de utopia que têm
um toque de messianismo, aquela idéia de que você
pode se isolar da história. Aliás, os anos 70 foram
os anos dos grandes sonhos e das grandes fugas."
"Nenhum livro me deu tanto prazer"
"Ensaio da Paixão" está
sendo lançado pela Rocco porque Cristovão Tezza
tem um acordo com a editora de reeditar paulatinamente todos os
seus livros, devidamente revistos, desde que haja interesse nisso.
Quando preparava "Breve Espaço Entre Cor e sombra",
seu último romance, o escritor precisou viajar à
Itália. Em :roca do auxilio à viagem, vendeu os
direitos do "Ensaio" para a Rocco.
"Este é um livro que assino embaixo sem medo nenhum.
Às vezes você tem coisas de juventude que não
dá vontade de reeditar, mas este tem o que dizer neste
final de século", afirma. A segurança sobre
a obra não veio de imediato. "Comecei a reler o romance
meio assustado. Mas depois entrei no livro mesmo, saborosamente.
Foi muito agradável."
No transcorrer das páginas encontrou falhas e em "muitos
momentos uma certa imaturidade do escritor", devidamente
reescritos. "Este certamente não é meu melhor
livro, mas nenhum outro me deu tanto prazer escrever. Reescrever
foi uma atividade saborosa."
Esta experiência seria a ventura de ser mestre e aluno ao
mesmo tempo? "Eu acho que sim. Acho que todo escritor depois
de uma certa idade tem essa dupla dimensão. Ele precisa
ter esse olhar para si mesmo com uma certa humildade, saber que
ninguém nasce pronto. Eu particularmente nunca fui precoce.
Literatura para mim é um processo muito demorado de maturação",
encerra.
(Z.C.L.)
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