Verbete do livro
Literatura Brasileira Hoje
Manuel da Costa Pinto
Publifolha, 2004 - pp. 123/124

CRISTOVÃO TEZZA
Lages, SC - 1952

Os romances de Cristovão Tezza têm uma complexidade formal que poderíamos definir como "orgânica". Ou seja, em seus livros o andaime nunca encobre o edifício, a estrutura parece decorrer naturalmente do conteúdo. Em títulos como Trapo (1988), Uma Noite em Curitiba (1995) ou O Fantasma da Infância (1994), a justaposição de diferentes camadas narrativas dá contornos definidos a um tema que percorre toda a ficção de Tezza: o sujeito cindido, consciente da defasagem que há entre seus desejos e o caráter sempre decepcionante da realidade. E isso é válido tanto para os livros iniciais, de conteúdo mais "geracional", político, quanto para as obras maduras, de grande densidade psicológica.

A dicção muito peculiar de Tezza começa a se esboçar em Ensaio da Paixão, metáfora amarga do Brasil dos anos 70, sobre um grupo que se isola numa ilha para encenar a Paixão de Cristo. Essa opção pela marginalidade e pelas práticas contraculturais tem raízes biográficas, já que ele participou nos anos 60 de uma comunidade alternativa dirigida pelo diretor teatral e escritor Wilson Rio Apa, em Antonina (litoral do Paraná). Mas a experiência também deixou marcas estilísticas: o tema, recorrente em seus romances, de uma existência lateral à sociedade (personificada tanto na ilha de Ensaio da Paixão quanto nas vidas paralelas dos livros posteriores) e a força dos diálogos em seus livros (uma herança dessa vivência teatral).

Em praticamente todos os livros de Tezza, há uma história dentro da outra: em Trapo, o narrador reconstitui a história de um jovem poeta suicida a partir dos originais que este deixou; A Suavidade do Vento é o título tanto desse livro de 1991 quanto do romance que seu protagonista escreve e renega; e, em Uma Noite em Curitiba (1995), o amor adúltero de um velho professor por uma atriz vem à tona nas suas cartas, que o filho lê após a morte dele. A alternância de focos e as diferentes vozes que dialogam com os vestígios dos outros ou consigo mesmas nos lançam no coração de sua técnica narrativa e dessa Curitiba em que o escritor mora há mais de 40 anos (e da qual é o mais perfeito retratista, ao lado de Dalton Trevisan).

O mundo de Tezza é habitado por personagens que buscam permanentemente uma porta de saída (como nas fugas reais e imaginárias de Juliano Pavollini, 1989). Seja numa intriga policial (O Fantasma da Infância), seja num livro que parte da "angústia da influência" de um pintor em relação a seu mestre morto (Breve Espaço Entre Cor e Sombra, 1998), o que emerge dessas tramas às vezes intricadas são justamente os fantasmas e as sombras - fazendo de Cristovão Tezza um escritor que, sem cair nos artificialismos da prosa metalingüística, mostra como o mundo da ficção pode corrigir e superar a estreiteza do mundo real.

Principais Obras

Ensaio da Paixão (1982), Trapo (1988), Juliano Pavollini (1989), A Suavidade do Vento (1991) - todos reeditados pela Rocco -, O Fantasma da Infância (Record, 1994), Uma Noite em Curitiba (Rocco, 1995), Breve Espaço Entre Cor e Sombra (Rocco, 1998).


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