CORREIO BRAZILIENSE
Brasília, 21 de junho de 1998


BREVE ESPAÇO ENTRE SOMBRA E FAMA

Com dez romances publicados, o "curitibano" Cristovão Tezza se transforma no mais bem-sucedido dos novos escritores brasileiros

Sérgio de Sá
Especial para o Correio

CRISTOVÃO TEZZA ESTREOU NA LITERATURA EM 1979. ERA UM LIVRO DE CONTOS - GRAN CIRCO DAS AMÉRICAS-E, PORTANTO, UM COMEÇO NORMAL. MAS O CONTO LOGO FICOU PARA TRÁS. O ESCRITOR DESCOBRIU QUE "SUBSTANCIALMENTE' NÃO ERA CONTISTA. VIERAM EM SEGUIDA DEZ ROMANCES E MUITOS ELOGIOS.

Quando senta para escrever, Tezza diz ter uma "visão de conjunto". O que isso significa? Tenho o ritmo e a batida de um romance na cabeça. Penso sempre em 200 páginas". O resultado pode ser um livro maior ou menor que isso. Sempre a capacidade de arrebatar.

Cristovão Tezza nasceu em Lages. Santa Catarina. No entanto, é um curitibano típico, "o que significa que nasci em outra cidade", brinca. Adotou a capital paranaense há mais de 30 anos. Ganhou de lambuja a companhia literária de Dalton Trevisan, que é essencialrnente contista.

Na comparação como autor de A Guerra Conjugal. as semelhanças vão dar mesmo em Curitiba, "cidade fundamentalmente literária'. Lugar. segundo ele, meio frio -um convite para ficar em casa e, claro, escrever e escrever. "Às vezes acho que sou muito extrovertido para a cidade". Mas é só dar um pulo em Salvador para se ver como "curitibano verdadeiro'.

A cidade fornece a solidão dos seus personagens: o poeta Trapo, do romance homônimo, o candidato a escritor Matôzo de A Suavidade do Vento, o professor Rennon de Uma Noite em Curitiba (olha a cidade aí), o frustrado André Devinne de O Fantasma da Infância, entre outros. "Outro aspecto curitibano, um traço, é a sátira", explica Tezza (leia-se Têza, segundo o próprio).
E, pouco a pouco, sua obra vai deixando de ser exclusiva do Sul do país. Escolas de 2º grau adotaram no currículo o livro Juliano Pavollini. Em sexta edição (um desempenho notável para os padrões brasileiros), Trapo já entrou na lista de leitura obrigatória do vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina. O sucesso nacional chcga agora.

TALENTO RECONHECIDO

O polêmico crítico Wilson Martins não deixa passar uma entrevista sem afirmar que Tezza é um de nossos melhores narradores, talvez o melhor dentre os novíssimos. "Ser bem recebido pela crítica", diz o escritor, "é sempre multo bom."
Os elogios de Martins agradam: "É o último crítico cotidiano, que tem feito um rastreamento da literatura quando ela sai, emitindo opinião sobre a produção literária. Dos nossos grandes críticos foi o que se manteve fazendo isso."

O escritor quebra a barreira e penetra no mercado do eixo Rio-São Paulo. Ainda eixo? "É uma realidade. Você precisa existir em São Paulo e no Rio para existir no Brasil", explica Cristovão Tezza, agora vivo, se seguirmos seu próprio depoimento. "Costumo dizer que o melhor agente literário aqui no Paraná são os Correios" (risos).

Professor do departamento de lingüística da Universidade Federal do Paraná, Tezza formou-se na base da aventura. "Sou um homem dos anos 70. Tinha visão alternativa desde guri". Tome escapada de casa, sociedade alternativa e vestibular com 25 anos de idade. Ao contrário do irmão, teve "a sorte de escapar da luta armada." Não fugiu de trazer para sempre a marca daquele tempo. Na literatura inclusive - ou principalmente.

Viveu à margem, bicho grilo total. Está adorando reler Ensaio da Paixão, romance publicado no início dos anos 80 que irá ganhar nova edição pela Rocco até o final deste ano. "Estou achando um barato ver quais eram minhas referências." Uma das principais era a comunidade alternativa de Wilson Rio Apa, com quem conviveu e fez teatro de 1968 a 1974 país afora.

Essa figura, que hoje mora no litoral catarinense, se transformou em personagem, o único que Tezza diz ter composto baseado em alguém. Os outros, imaginação, ainda que haja muito de autobiográfico nos livros ("meu olhar foi acompanhando o tempo") e ainda que os escritores nem sempre digam verdades ("eles mentem muito").

Breve Espaço entre Cor e Sombra é percebido como momento de maturidade. "Eu sinto que o Trapo foi um primeiro passo. Saí do nada e subitamente o livro teve uma ressonância. Depois entrei em recolhimento", resume. "O último livro particularmente teve um salto. É mais maduro, tem mais appeal para o público." Ao mesmo tempo. "não é, por exemplo, nenhuma revolução com relação à obra anterior" (Uma Noite em Curitiba).
Leitor de Monteiro Lobato, Julio Verne e de romances policiais, Tezza vê no ato de criar uma alternativa ética. "Nada substitui a palavra escrita como reconhecimento do mundo." E o olhar da produção brasileira dos anos 90, segundo ele, é diversificado, indo do best-seller de qualidade à literatura de experimentação.

Equilibrado entre esses dois pólos, Cristovão Tezza vai discutindo o papel da arte, o lugar do intelectual na sociedade, vai exibindo suas narrativas duplas para um número cada vez maior de leitores - mesmo que a idéia de público, garante, nunca tenha sido uma variável no que fez. Vai sozinho, curitibanamente arredio, construindo com mordacidade uma obra que tem tudo para permanecer.



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