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CORREIO BRAZILIENSE
Brasília, 3 de dezembro de 1989
MERCADO ABERTO EDITA O PRÊMIO PETROBRÁS
Maurício Mello Júnior
ESPECIAL PARA O CORREIO
Os concursos literários no Brasil podem até estar
servindo como termômetro da nova produção
no País, mas não chegam a revelar ao público
os novos escritores. São muitos os vencedores que permanecem
inéditos. As editoras ligam pouco para concursos.
Publicando os vencedores do Prêmio Petrobrás de Literatura,
a Mercado Aberto abre uma exceção. Entretanto, este
mesmo concurso premiou poesias e textos teatrais que continuam
inéditos.
À parte isto, os novos continuam realizando uma obra por
vezes de muita qualidade, como estes Pela Boca de Giimex e Aventuras
Provisórias.
Aqui se está diante de duas narrativas que só foram
possíveis depois do golpe militar de 64. Criando uma geração
perdida e acentuando as desigualdades sociais do País,
o golpe deixou fortes elementos para que nossos literatos construíssem
obras densas e dramáticas.
Respirando violência - Gumex, o traficante de coca dos morros
cariocas, está apaixonado, e é correspondido, por
Solange, a filha de um influente senador. Cercado pela polícia,
sentindo que já não tem escapatória. vai
desfiando o rosário de sua vida. Esta é a matéria
de Sérgio F. Martins.
O texto não chega a ser original. A violência urbana
já foi explorada por muitos. O amor entre membros de classes
antagônicas vem sendo narrado desde muito antes de Romeu
e Julieta. Até mesmo a linguagem dos morros já teve
vez na nossa literatura. Mas certamente foram raras as vezes em
que se atingiu com tanta perfeição e vida o retrato
dos nossos marginais.
Gumex, ainda quando se chamava Nando, tenta fugir da condição
de bandido. Mas não quer "se finar" como "um
homem cansado, com uma fome e um medo que não acabariam
nem mesmo debaixo da terra". Cansado de assistir aos espetáculos
da vida e da morte, troca o fundo de garantia por um 38 e se transforma
no bandido Gumex.
Mas o malandro esperto. aquele que compra a simpatia e a proteção
dos moradores do morro, impondo sua ordem e sua lei, está
se envolvendo numa teia perigosa. A paixão por Solange.
que no princípio era uma forma de se vingar de todos aqueles
que o subjugavam, passa a ser seu calcanhar de Aquiles.
Por aqui fica clara a existência de dois mundos, O marginal
ajuda e se curva ao oficial. Mas este não tolera e reage
com ânsia de extermínio aos erros daquele.
Não se define a vitima e o carrasco. Os dois mundos até
se confundem. Mas é visível que o de maior poder,
impessoal e indiferente, manipula o de baixo.
Enteados da opressão - O reencontro de dois amigos de infância
é o mote necessário para o desenvolvimento da prosa
de Cristovão Tezza. João, um semi-executivo que
quer vencer na vida a qualquer custo, e Pablo que, saindo das
prisões da ditadura, quer viver em uma comunidade campestre
com a mulher amada.
Tezza conversa com o leitor, chamando-o a se fazer cúmplice
da narrativa, criando um laço afetivo e uma forte suavidade
para sua obra, que vem prenhe de originalidade.
João é um homem que busca a satisfação
afetiva e carnal ao lado de mulheres que fogem ao seu universo.
Não suporta o misticismo de Dóris. Não agüenta
a intelectualidade de Mara. Sentindo que ambas são frutos
de uma árvore artificial, se deixa cair lânguido
nos braços da submissa Glorinha. Quer apenas a paz familiar
e pequeno-burguesa.
Nesta busca incursiona pelo misticismo, pelo teatro, pela literatura.
Mas os místicos e intelectuais querem a sombra de um mecenas
e João vai colecionando fracassos.
Pablo carece de uma razão para continuar vivendo. Findas
as esperanças com Carmem, se volta para o projeto de João
escrever sua história. Tem o desejo comum. Uma cara marcada
por seu suor, uma mulher e filhos.
Mas o destino. a Roda, é implacável e brinca cora
seus figurantes.
A prosa de Tezza tem uma densidade tão forte e verdadeira,
uma carga dramática tão pesada, que fica como um
martelo perene e incansável na consciência do leitor.
Pontos de ligação - Há alguns pontos de ligação
entre os duas obras. João, como Gumex, por maior que seja
o esforço, não consegue ultrapassar sua condição
original. Ambos estão à margem da elite de uma sociedade
injusta. São como peixes que, na ânsia de serem anfíbios,
tentam sobreviver fora d'água. A ideologia da classe média
brasileira é o sentimento maior de João. O dinheiro
remove montanhas. E este sentimento já chegou àqueles
que a sociedade de consumo marginalizou e tomou conta do peito
de Gumex.
Buscando falar de medo, violência, miséria e incertezas,
Cristovão Tezza e Sérgio F. Martins tocam nas feridas
acentuadas por vinte anos de repressão e terror.
Pela Boca de Gumex - Sérgio F. Martins.
Prêmio Petrobras de Literatura 1987. 1º lugar. Série
Novelas Exemplares. Ed. Mercado
Aberto, 72 paginas.
Aventuras Provisórias - Cristovão
Tezza. Prêmio Petrobras de Literatura 1987. 2º lugar.
Série Novelas Exemplares. Ed. Mercado
Aberto, 112 páginas.
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