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O Diário do Norte do Paraná
Maringá, 26 de outubro de 2010
Sobre paixão e memórias silenciosas
Wilame Prado
“Um erro emocional”, novo romance de Cristovão Tezza, é silencioso; nas quase 200 páginas do livro, o casal de personagens pensa mais do que conversa, e a memória das lembranças da vida dita a prosa
Após o estrondoso sucesso do livro “O filho eterno”, lançado em 2008, Cristovão Tezza volta a publicar. O romance “Um erro emocional” (Editora Record, 192 páginas) saiu há pouco da gráfica e já está disponível nas livrarias do Brasil. Para os fãs do catarinense radicado em Curitiba, é mais um grande livro a ser consumido de maneira voraz e rápida – o texto bem elaborado do autor faz com que o leitor não queira parar de ler enquanto não descobre o desfecho da história (eu, por exemplo, acompanhado de um tereré, o li de uma tacada só, deitado no sofá, em uma madrugada maringaense tranquila).
Não por acaso, a fluidez impressionante em “Um erro emocional” é explicada pelo próprio Tezza, em uma entrevista respondida por email, enquanto o autor saía de Pampulha, em Minas Gerais, rumando ao Rio de Janeiro, para, mais tarde, retornar à fria Curitiba. Segundo ele, o seu novo livro, na verdade, foi idealizado primeiramente como conto. Mas, no decorrer de dois anos, reunindo fragmentos, acabou transformando-se em romance.
Ao contrário do que acontece em “O filho eterno”, Tezza não tem uma surpreendente e comovente história para contar em “Um erro emocional”. Não há muitas descrições de lugares, de situações e de conflitos pessoais. No eleito melhor romance do ano de 2008, o escritor, misturando realidade e ficção, narra uma história densa, que começa com o nascimento de seu filho, o Felipe, tem um grande clímax quando ele descobre que o piá nasceu com Síndrome de Down, se desenrola com o processo de aceitação desta situação e se finaliza com o pleno crescimento e desenvolvimento do filho.
Já em “Um erro emocional”, Tezza simples e belamente narra um fato isolado: a ida do escritor renomado Paulo Donetti (vencedor de Jabuti e tudo) ao apartamento da sua leitora número um, Beatriz, para dizer que havia cometido o “erro emocional” de ter se apaixonado por ela. E também, mas isso parece ser apenas uma desculpa, para que ela fizesse uma edição e digitasse em um computador seus escritos reunidos em amarelecidas folhas de manuscritos.
E para aqueles que imaginam se tratar de outro romance autobiográfico, já que o personagem principal é um escritor conhecido como ele, Tezza faz questão de afirmar que a sua cota como narrador de fatos reais já se encerrou. “O único livro autobiográfico da minha vida foi ‘O filho eterno’. Com ele, esgotei o poço! O resto é literatura. O personagem Donetti já aparece no ‘Ensaio da Paixão’, de 85 – eu já esboçava um personagem escritor (com o mesmo sobrenome). E a Beatriz nasceu de uma série de contos, muitos já publicados”, revela, em outro email, já em Curitiba, um dos maiores romancistas vivos do Brasil.
Paixão, memórias e o não dito
“Um erro emocional” é um livro sobre paixão e sobre como nos portamos quando estamos frente a frente com a pessoa pela qual estamos apaixonados. Quem está apaixonado, logo se identifica com a prosa, que transmite muito bem a sensação de pavor sentida nesse momento, a vontade de querer impressionar o outro e a linha tênue que separa o que pensamos, o que almejamos dizer e o que de fato falamos para a outra pessoa.
E, diante desta situação, o escritor concentra esforços para narrar o não dito e o que as personagens estão pensando naquele momento, entre as folhas de textos inéditos de Donetti em cima da mesa, entre as intermitentes taças de vinho tomadas por ele e por Beatriz e entre um pedaço ou outro de uma pizza.
“A memória queima. Longe dela, brilha o deserto”, a frase destacada por Tezza e posta uma página antes de o romance começar traduz muito bem o que é aquela história prestes a ser lida: transcrição da memória das personagens, que extravasam sentimentos e que, por meio de lembranças (principalmente da ex-mulher dele e do ex-marido dela), influenciam sobremaneira no modo como agem naquele apartamento, localizado em Curitiba.
Mais do que traduzir em texto tudo o que Paulo e Beatriz estão pensando, Tezza vai um pouco além. Traz, com a memória de ambos, as personagens secundárias da trama, como exemplo a Doralice, melhor amiga de Beatriz, o psicanalista de Donetti, seu inimigo Cássio e também os ex-companheiros dos dois. Nesses casos, o escritor usa e abusa de parênteses para compor melhor o texto e fazer com que o leitor consiga entender o que exatamente está se passando na cabeça pensante deles.
Só quem mesmo tem o quê escrever, e sabe desenvolver com maestria esta tarefa, consegue prender um leitor durante tantas páginas em uma história que fica mais no mundo das ideias, um romance intenso, psicológico. Tezza, que afirma estar treinando este estilo narrativo há alguns anos, teve aumentado o seu poder de conseguir descrever uma história que se passa de maneira silenciosa.
Em “Um erro emocional”, os diálogos em si ficam em segundo plano para que a memória, os pensamentos, as incertezas e os constantes erros emocionais, que, de repente, podem ser evitados com o simples cálculo de pensar muito bem antes de pronunciar palavra, fiquem somente na memória, que queima e se explode nas inenarráveis lembranças de um passado recheado de situações delicadas envolvendo principalmente paixões e amor.
Não sei bem ao certo como são os critérios de avaliação na hora de se premiar os romances em prêmios como o Jabuti, por exemplo. De todo modo, “Um erro emocional”, por toda a qualidade literária reunida em mais um bom trabalho de Tezza talvez merecesse mais louros do que o querido “O filho eterno”. Porém, deve-se levar em consideração o fato de que uma história tão bela e, ao mesmo tempo, chocante, em que um pai revela a fria rejeição que sentiu pelo filho que nasceu com Síndrome de Down pode chamar muito mais a atenção, tanto de público como de crítica, do que um relato de memórias dos errantes e emotivos Paulo Donetti e Beatriz.
3 perguntas para Tezza – “Um erro emocional é mais intimista, concentrado”
Para o senhor, todas as paixões são erros emocionais?
Cristovão Tezza – Não, certamente não. O título é irônico – há um tom de ironia quando Donetti define sua paixão como um “erro”. É também uma espécie de “defesa prévia” de sua aproximação amorosa.
Qual é o grau de dificuldade para se escrever um livro de quase 200 páginas que, porém, se passa inteiramente em algumas horas dentro de um apartamento, com duas personagens fazendo a memória queimar e as lembranças explodirem a todo momento, dando fôlego à narrativa ligeira?
Tezza – Para ser sincero, não sei. É um livro que escrevi aos fragmentos, ao longo de dois anos, e que originalmente foi pensado como um conto. A dificuldade é não perder o fio da meada e a tensão da linguagem. Ou seja, a de sempre, para quem escreve.
Há uma evolução literária entre “O filho eterno” e “Um erro emocional” ou, assim como a crítica em geral, o senhor considera o seu trabalho de 2008 praticamente insuperável de tão bom?
Tezza – São livros diferentes, muito diferentes. Do ponto de vista técnico, “Um erro emocional” apura aspectos do ponto de vista narrativo que eu vinha desenvolvendo desde “O fotógrafo”. Em “Um erro emocional”, eu radicalizei o recurso de aproximar & distanciar o narrador da consciência dos personagens. Do ponto de vista temático, são livros com embocaduras diferentes. “O filho eterno” tem uma temática mais ampla; “Um erro emocional” é um livro intimista, concentrado.
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